A Receita Federal regulamentou nesta segunda-feira (28/1) a contribuição à Previdência sobre os contratos de trabalho intermitente, uma das novidades da reforma trabalhista. A Instrução Normativa (IN) nº 1.867/2019, publicada no Diário Oficial da União nesta segunda, inclui na base de cálculo o valor proporcional pago em férias e décimo terceiro e estabelece tratamento tributário semelhante àquele observado por trabalhadores avulsos – que prestam serviços a várias empresas por intermédio de sindicatos.
A norma também incluiu novos contribuintes da Previdência, a exemplo de motoristas que disponibilizam serviços de transporte por intermédio de aplicativos e médicos participantes do programa Mais Médicos.
Ainda, a IN estabelece procedimentos para produtores rurais recolherem a contribuição previdenciária calculada sobre a folha de pagamentos. A opção é alternativa à contribuição para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), cuja base de cálculo é a receita bruta com a venda de produtos rurais.
A modalidade de cálculo baseado na folha de pagamentos foi criada pela lei nº 13.606/2018, que implementou o Refis do Funrural. Em ambos os casos, o dinheiro é destinado à Seguridade Social do trabalhador rural.
Trabalho intermitente
Na modalidade do trabalho intermitente, o funcionário tem carteira assinada e presta serviços por períodos alternados, quando convocado pela empresa. O empregado intermitente é remunerado apenas pelos serviços prestados, assim que o trabalho é concluído. No pagamento recebido estão inclusos valores proporcionais de décimo terceiro salário e férias.
A IN 1.867/2019 assegura que o trabalhador intermitente é segurado obrigatório da Previdência. Segundo a norma, a contribuição deve ser recolhida no momento em que a remuneração for paga, devida ou creditada, o que ocorrer primeiro.
A instrução normativa também estabelece que a base de cálculo inclui o valor proporcional pago em férias e décimo terceiro para o trabalhador intermitente. A alíquota varia de 8% a 11%, de acordo com a faixa salarial.
Se o funcionário contratado sob regime de trabalho intermitente receber valores inferiores a um salário mínimo, ele pode fazer a complementação do valor para que aquele período trabalhado conte como tempo de serviço. Isto é, para que o tempo seja computado no cálculo da aposentadoria, é preciso que o empregado pague a contribuição previdenciária que seria equivalente a um salário mínimo.
Além disso, o texto afirma que a contribuição previdenciária também é devida sobre o salário-maternidade. Neste cálculo a Receita inclui o valor proporcional de décimo terceiro.
O advogado Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, destacou que as regras tributárias passaram a valer a partir de novembro de 2017, quando entrou em vigor a reforma trabalhista. Segundo o tributarista, as regras descritas na IN já estavam funcionando na prática.
A IN simplesmente formalizou o tratamento dado ao trabalhador intermitente, que já era o mesmo do trabalhador avulso e que já vinha sendo dado desde 2017. Na prática a Receita já estava administrativamente tratando dessa forma
Uber e Mais Médicos
A instrução normativa nº 1.867/2019 também classificou mais trabalhadores como segurados obrigatórios da Previdência. Como contribuintes individuais, a norma incluiu motoristas que oferecem transporte privado de passageiros por meio de aplicativos como Uber, Cabify e 99.
Outra categoria de contribuinte individual incluída pela IN são os médicos participantes do programa Mais Médicos. Neste caso, a norma traz como exceção o profissional intercambista que atua por meio de uma cooperação com organismos internacionais que tenham cobertura securitária específica, ou nos casos em que o país de origem mantenha acordo internacional de seguridade social com o Brasil.
A tributarista Betina Treiger Grupenmacher, do escritório Treiger Grupenmacher Advogados, avalia que a Instrução Normativa é longa e cria dezenas de pequenas alterações que podem incrementar a arrecadação previdenciária enquanto o governo Jair Bolsonaro tenta aprovar no Congresso uma reforma da Previdência.
Não foi uma IN para reduzir a carga tributária. Acho que, em uma interpretação sistemática do texto, as medidas acabam por aumentar a arrecadação. É uma providência preliminar e paliativa até que se decida alguma coisa sobre a reforma
Já o advogado Alessandro Mendes Cardoso entendeu que a IN teve como principal função adaptar as normas da Receita a leis como a reforma trabalhista. “Não vi uma ampliação do campo de incidência. Os pontos são em sua maioria muito específicos, não vejo nada que tenha substância para gerar aumento relevante na arrecadação”, ponderou.
Sub-rogação no setor rural
Via de regra, o produtor rural financia a Seguridade Social dos trabalhadores do campo contribuindo com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A contribuição é calculada a partir da receita bruta com a venda das commodities cultivadas.
Entretanto, a lei nº 13.606/2018 criou uma segunda opção aos produtores rurais: o recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de salários, como é mais comum nos outros setores da economia. Em ambos os casos, o dinheiro é destinado à Seguridade Social do trabalhador do campo.
No caso do Funrural, por sub-rogação as empresas que compram produtos rurais são responsáveis pela retenção dos valores destinados ao fundo. O advogado Fabio Calcini, do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, explicou que as companhias não precisam mais reter o valor se o produtor optar pelo recolhimento sobre a folha.
No caso do recolhimento sobre a folha, a IN ofereceu um modelo de declaração que os produtores rurais devem entregar às empresas compradoras. O documento serve para atestar a escolha do produtor e resguardar o adquirente quanto à ausência de retenção.
“O mercado praticava uma certa declaração, mas agora o modelo dado pela Receita dá mais segurança. Não se corre o risco de a Receita não aceitar o documento e cobrar o Funrural. Isso dá tranquilidade ao adquirente e ao produtor”, afirmou.
O advogado Renato Vilela Faria, do escritório Peixoto & Cury Advogados, alerta que o prazo para o produtor rural escolher a forma de contribuição se encerra em 20 de fevereiro, quando ocorre o primeiro pagamento do ano. Uma vez escolhida a modalidade, a opção vale para todo o ano fiscal.
Para evitar a responsabilidade por sub-rogação, o tributarista projeta que as empresas podem começar a negociar apenas com produtores rurais que recolhem o tributo sobre a folha. Nesse sentido, o advogado alerta para o prazo curto que os produtores terão para avaliar a melhor modalidade de contribuição.
Se o produtor rural tem a intenção de vender para um grande grupo lá na frente e esse adquirente não quer se responsabilizar pelas contribuições, tem que pensar nisso agora. Mas não sabemos o quanto esse tipo de informação vai chegar para o produtor rural
Faria Vilela ressalta que as empresas compradoras podem usar o poder de barganha para pressionar os produtores a escolherem a contribuição sobre a folha, mesmo que esta opção seja mais onerosa para eles. “Ao passo que a nova IN traz um alívio para as empresas, acaba por impor uma condição que não necessariamente será a mais eficiente para o produtor rural […] se a folha for bastante representativa”, alertou.
Calcini recomendou que o produtor rural faça simulações sobre qual opção tributária é mais vantajosa economicamente, dependendo do produto cultivado. O advogado comparou a avaliação à comparação que as empresas costumam fazer entre recolher o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) pelo lucro real ou pelo lucro presumido.
Tem cultura que tem muito empregado e outra que tem menos. Tem cultura que demora para auferir receita e tem despesas por muitos anos. O custo com a folha normalmente é mais fixo, já o da receita bruta depende muito do preço [das commodities], da safra. Tem que fazer esse tipo de projeção
Se o produtor optar por recolher a contribuição previdenciária sobre a folha, a alíquota é de 20%. Já na escolha da receita bruta com a venda de produtos rurais, a alíquota é de 1,7%.
Fonte: Portal JOTA