Não é novidade, especialmente para o profissional da contabilidade, o permanente embate entre fisco e contribuinte.
Enquanto o fisco, nos três níveis, cumpre seu papel de garantir recursos para sustentação do Estado, o contribuinte busca, dentro da legalidade, pagar menos tributo possível. Não vamos tratar aqui das esquivas ao pagamento do tributo pela sonegação e outros tipos de fraudes, por fugirem do escopo de nossa conversa.
A complexidade de nosso sistema tributário quase sempre gera dúvidas no entendimento e na aplicação das normas baixadas pelo fisco. Isso justifica o altíssimo nível de judicialização do embate tributário no Brasil.
A quem desejar se aprofundar no tema, recomendo a leitura e a análise da pesquisa feita para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), publicada em 2022, intitulada “Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro”, na qual centenas de tabelas mostram dados e traçam um raio-X da situação.
Apenas a título de curiosidade, e para ilustrar o tamanho desse contencioso, cito a tabela número cinco da pesquisa, que trata da quantidade de processos existentes, por tributo.
O tributo campeão das discussões é o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) (municipal), com a bagatela de 528.175 processos, o que representa, sozinho, quase 25% do total. Para os que gostam de matemática, para sabermos o total de processos levantados, é só multiplicar por quatro. Isso mesmo! No total, passa de 2,1 milhões de processos.
Para que a atenta leitora, o atento leitor, não se esqueça de que minha praia é o Imposto de Renda da Pessoa Física, trago os números desse tributo: apenas 35.685 processos.
Esses dados estão na página 53 da pesquisa, inclusive com a descrição da origem dos dados e da metodologia de pesquisa adotada.
Fiz esse parêntese estatístico para mostrar o quanto são importantes os esforços em busca da conformidade tributária e da redução dos litígios.
Enquanto buscava subsídios, pesquisando dados e artigos sobre o tema, deparei-me com artigos e opiniões completamente antagônicos, o que reforça a dificuldade do consenso no assunto.
Acho até que alguns não entenderam a conformidade buscada agora como forma de se resolver as discussões, o litígio, mas como exigência por parte dos fiscos, como fiscalização.
A conformidade que vem sendo buscada, incentivada por órgãos multilaterais, como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia, foi objeto da Consulta Pública RFB 04/2018, cuja minuta de portaria ficou disponível para receber opiniões de 16 a 30 de outubro de 2018.
A base da consulta pública era a classificação dos contribuintes, com benefícios baseados em cumprimento da legislação tributária, pontualidade nos recolhimentos e cumprimento das obrigações acessórias, entre outras. Naquele momento, a versão final da portaria sequer chegou a ser publicada.
Já em 2021, a Receita Federal lança seu Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal, no qual explica que “a conformidade cooperativa é um tipo de relacionamento entre empresas e administrações tributárias, com diálogo e ganhos mútuos, mantendo a igualdade de tratamento tributário entre contribuintes”. Baseada na transparência, na segurança jurídica e na cooperação, a conformidade cooperativa é justificada objetivamente pela governança corporativa tributária e pela estrutura de cumprimento fiscal do contribuinte. A conformidade cooperativa já existe em vários países desenvolvidos e sua adoção vem sendo recomendada pela OCDE desde 2013.”
Em resumo, a conformidade fiscal incentiva e facilita a autorregularização. Em vez de intimar o contribuinte e tirar dele a espontaneidade, na forma prevista no parágrafo único do artigo 138 da Lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional), o fisco o informa da existência de eventual pendência e dá prazo para que, apenas com encargos de mora, recolha ou parcele o tributo devido.
No próximo artigo, comento a Lei 14.689, de 20 de setembro de 2023, que trata da conformidade tributária e teve, em sua sanção, alguns artigos vetados e ainda não analisados pelo Congresso Nacional.
Como o prazo de 30 dias para análise do veto já passou – e isso significa que “tranca a pauta” do Congresso Nacional –, creio que até lá teremos o resultado da apreciação do veto presidencial.
E, claro, conto, mais uma vez, com sua leitura.
Fonte: Contabeis