Dados mostram que endividamento das famílias é o maior desde 2005.
Dados do Banco Central (BC) apontam que os brasileiros nunca se endividaram tanto no cheque especial, tipo de crédito acionado quando o saldo da conta corrente fica no vermelho. Em agosto, foram concedidos R$ 38,5 bilhões nessa modalidade –maior valor da série histórica do Banco Central (iniciada em março de 2011).
Os números também mostram que o endividamento das famílias tem subido mês a mês e atingiu 53,1% em julho –o mais alto patamar da série histórica, que teve início em janeiro de 2005. Em 12 meses, já são 5,1 pontos percentuais de aumento.
Desde setembro de 2021, o índice tem ficado acima de 50%. Desconsiderando o financiamento imobiliário, o endividamento em agosto atingiu 33,64% e também foi recorde.
O uso recorde do cheque especial se dá em tempos de alta de juros, com a elevação da taxa básica (Selic) ao patamar de 13,75% ao ano, e de aperto de renda da população brasileira em um cenário de inflação ainda elevada.
No último mês, o aumento do volume de concessões em relação a julho foi de 9,9%. Em 12 meses, o crescimento foi de 27,3%.
A taxa de juros cobrada na modalidade também subiu, passando de 127,4% ao ano em julho para 128,6% em agosto. Desde o início de 2020, os juros cobrados no cheque especial não podem superar 8% ao mês (151,8% ao ano), conforme determinação do BC.
Apesar do teto, as taxas da modalidade continuam entre as mais elevadas do mercado, atrás apenas dos juros do cartão de crédito.
Em agosto, a taxa do rotativo –usado quando o consumidor não paga a fatura integral do cartão até o vencimento– chegou a 398,4% ao ano; e a do parcelado, a 185,9% ao ano.
O cheque especial é acionado quando o correntista esgota o saldo de sua conta bancária e um valor pré-aprovado é liberado pelo banco para que a pessoa possa continuar consumindo. A modalidade funciona como um “empréstimo automático”.
Desde 2018, os bancos passaram a oferecer a quem tem dívidas no cheque especial um parcelamento mais barato para os consumidores que usam mais de 15% do limite por 30 dias consecutivos.
Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), ressalta que o fato de o consumidor não ter de cumprir o rito burocrático da contratação do crédito é um facilitador para o uso inconsciente do cheque especial.
“É uma modalidade de crédito cara. Mas, no imaginário das pessoas, funciona como uma espécie de renda disponível. O brasileiro não entende que vai pagar para usar aquele recurso”, disse.
Segundo a especialista, o atual contexto inflacionário ainda pesa no orçamento das famílias de renda média e baixa. Em agosto, o índice oficial de inflação do país recuou 0,36%, puxado pelo corte nos preços dos combustíveis —mas, apesar da trégua, atingiu 8,73% no acumulado de 12 meses.
“A renda média das famílias assalariadas não cresce acima da inflação. Então, fica difícil conseguir pagar todas as contas e manter o nível de consumo. As famílias que não têm reserva para qualquer emergência acabam usando o que é mais fácil, e a gente tem de considerar que elas já estão endividadas em outras modalidades”, afirmou.
Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, acrescenta na equação a dificuldade de as pessoas se recolocarem no mercado de trabalho e a informalidade.
“Na medida em que essas pessoas não oferecem garantia de pagamento de determinado empréstimo, parte significativa dos créditos mais baratos não está disponível para elas, que acabam tendo de acionar fontes mais caras”, disse.
De acordo com a especialista, a escalada da taxa de juros também piora potencialmente a situação de endividamento das famílias e contribui para a inadimplência.
“A gente começa a ter um cenário onde a situação econômica não melhora, fato que empurra as pessoas para maior condição de fragilidade econômica e faz com que tomem mais crédito. Esse crédito é caro, aumentando a probabilidade de ficarem inadimplentes ou precisarem de mais crédito ainda. Isso, infelizmente, vira uma bola de neve”, afirmou.
Depois de registrar queda durante a pandemia de Covid-19, período marcado pela liberação de recursos emergenciais em socorro financeiro à população, as taxas de inadimplência vêm subindo nos últimos meses.
No mês passado, a inadimplência no segmento de recursos livres (não subsidiados) como um todo no país ficou em 3,9%, ante 3,8% em julho. Em 12 meses, a elevação foi de 0,9 ponto percentual.
Na modalidade do cheque especial, a taxa subiu 0,8 ponto percentual entre julho e agosto, passando de 11,6% para 12,4%. Foi o maior índice registrado desde dezembro de 2020, quando a inadimplência estava em 13,4%.
Robson Gonçalves, economista e professor de MBA da FGV (Fundação Getúlio Vargas), afirma que é comum em momentos de retomada de recessão e de recuperação de confiança (como no pós-crise da pandemia) que os consumidores “gastem por conta”.
“Nos casos em que há descompasso, em que a renda corrente não está em linha com essa melhora de percepção de renda futura, é muito natural ter alguma piora em termos de endividamento e é muito comum recorrer a essas fontes de crédito que estão mais à mão, como o cheque especial”, afirmou.
O endividamento corresponde ao comprometimento com pagamentos futuros que ainda estão dentro do prazo, já a inadimplência ocorre quando não foi possível pagar as contas antes da data do vencimento.
Fonte: Portal Contábeis.