Com a criação de um único tributo e a extinção dos antigos, como fica a compensação tributária prevista na legislação?
*Marcelo Annunziata
Nunca se discutiu tanto sobre reforma tributária quanto neste ano. Parece que os políticos acordaram de vez para o problema fiscal no país.
As reformas em curso perante o Congresso Nacional visam em suma alterar o sistema para a sua simplificação e diminuir, com isso, a dificuldade de entendimento da tributação, promovendo maior transparência fiscal, unificação de tributos que possuam a mesma base (ainda que de entes tributantes diversos) e, por consequência, promover uma drástica redução de obrigações acessórias associadas aos tributos existentes.
Com a criação de um único tributo e a extinção dos antigos, como fica a compensação tributária prevista na legislação?
Por certo não haverá redução da carga tributária, até porque existe um notório déficit (diga-se de passagem) gigantesco nas contas públicas, então o que se tenta realizar com a simplificação é simplesmente tornar o sistema mais fácil de se conviver, ainda que estudos demonstrem que alguns setores da economia serão prejudicados em termos de carga fiscal enquanto outros em tese serão beneficiados.
Por melhores que sejam as intenções daqueles que estão à frente desses projetos, alguns aspectos práticos relevantes não estão sendo pensados para a transição de um sistema para o outro, especialmente no que toca alguns institutos previstos no direito tributário, tal como a compensação tributária, como adiante comentaremos.
É bom lembrar que a simplificação tributária proposta consiste especialmente na criação de um novo IVA/IBS (Imposto sobre o Valor Agregado ou Imposto sobre Bens e Serviços), que pretende unificar cinco tributos: três da União (Imposto de Renda, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS).
Pretende-se que tal tributo seja de competência federal, gerido por um Comitê Gestor sob a liderança da União e com a participação dos Estados e municípios para que seja feita a correta distribuição dos montantes arrecadados.
Perceba-se que esse novo sistema tirará a autonomia que hoje Estados e municípios têm para legislar e arrecadar seus respectivos tributos, o que pode significar uma inconstitucionalidade já de largada por ferir o pacto federativo estabelecido originalmente na Constituição Federal e que, por ser cláusula pétrea, não pode ser alterado.
Ademais disso e particularmente para o problema que visamos enfrentar neste artigo, com a criação de um único tributo sob competência federal e a extinção dos antigos, como fica a compensação tributária que atualmente é prevista na legislação federal? Se uma empresa tiver, por exemplo, um crédito antigo de Cofins e tiver débitos vincendos de IVA/IBS poderá compensar? E seu tiver um crédito antigo de ICMS, poderá ser abatido dos futuros débitos de IVA/IBS?
O artigo 170 do CTN diz que a lei deverá prever as regras para a compensação a cargo de cada ente tributante. No caso federal, hoje vigora a Lei 9.430/96 (art. 74) que em síntese permite compensar tributos federais entre si desde que administrados pela Receita Federal.
Supondo então que esse IVA/IBS fosse administrado em última análise pela Receita Federal, ainda que se considere a existência do mencionado Comitê Gestor, a compensação de Cofins com débito desse novo imposto seria viável pela atual legislação federal que trata a compensação. Entretanto, caso haja qualquer dúvida sobre a administração ser ou não exclusiva da Receita Federal, seria possível ainda assim o encontro de contas com base no art. 74 da Lei 9.430? Ou seria necessária a edição de uma nova lei?
Caso seja necessária uma nova lei, considerando que com certeza haverá muita coisa a regulamentar para a aplicação do novo sistema tributário, é quase certo que demorará para se preencher essa lacuna e é possível que os contribuintes, de uma hora para a outra, tenham suas compensações paralisadas, por impossibilidade de uso de seus créditos.
Há no caso de Estados e municípios, que em sua grande maioria até hoje não regulamentaram em suas competências a possibilidade de compensação tributária, teriam eles de aceitar as compensações como forma de devolução de sua parte no IVA/IBS? Não deveria haver alguma modificação/adaptação da legislação atinente à compensação? Seria necessária ou até mesmo conveniente uma alteração do artigo 170 do CTN para prever uma transição entre os sistemas (atual e futuro?).
Claro que não se espera que essa falta de continuidade de compensação vá ocorrer, mas vale neste momento o alerta. Além desse tema, é provável que outros problemas de transição venham a ocorrer e será necessário que o Poder Executivo e o Congresso Nacional rapidamente editem normas para que o sistema continue funcionando, sem deixar de fora questões tão importantes como a efetivação das compensações, como visto.
Devemos, portanto, ficar atentos para as repercussões possíveis da reforma tributária, e estarmos preparados para uma transição, na qual poderão ser necessárias várias adaptações e/ou alterações da legislação tributária, não somente no âmbito da Constituição Federal, mas também do CTN e das legislações de cada tributo. Precisamos estar preparados para “virar a chave” quando o momento apropriado se apresentar.
*Marcelo Annunziata é sócio do Demarest Advogados
Fonte: Dia a Dia Tributário