Por Sílvia Pimentel | De São Paulo Pedro Corino
A recente possibilidade de pagamento de dívidas tributárias com precatórios fez empresários e investidores olharem com mais atenção para esse mercado bilionário. Cresceram as apostas em fundos de renda fixa com esses papéis e em empresas especializadas na negociação com credores de títulos federais, estaduais e municipais. Esquecidos pelo Estado, eles agora são assediados por atendentes de call center, que os orientam e tentam convencê-los a vender, com deságio, seus créditos.
Em atividade desde 2002, a São Paulo Investimentos treinou e montou uma equipe para a compra de precatórios – um mercado estimado hoje em aproximadamente R$ 160 bilhões. Os papéis, negociados diretamente com os credores originais, vão para fundos de investimentos e empresas interessadas em usá-los para pagar dívidas fiscais, prática que ganhou força com Emenda Constitucional nº 99. Publicada em dezembro de 2017, a norma obriga municípios, Estados e o Distrito Federal a editarem regulamentações neste sentido.
“O mercado está cada vez mais concorrido. Atentos aos grandes rendimentos gerados, vários players entraram no segmento”, diz Pedro Corino, CEO da São Paulo Investimentos, que aposta, porém, numa queda nos percentuais de deságio. Em São Paulo, por exemplo, que concentra quase 50% da dívida global com precatórios do país, acrescenta, o atual deságio de 70% deve cair para 50%. “Com muito mais dinheiro e aceitando um retorno inferior, ou os players atuais se adaptam ou serão obrigados a sair do mercado.”
O atual cenário, segundo Corino, tende a prestigiar o dono de precatório, que até então, por conta da demora, deixava o título de herança para familiares ou acabava se desfazendo dele por um preço infinitamente menor que o valor de face. O futuro, acrescenta, será promissor. “Em dez anos, será um mercado operado por grandes bancos, com pequenas margem de ganho, privilegiando, portanto, o dono do precatório”, avalia o CEO da São Paulo Investimentos.
O mercado já começou a se sofisticar, a ponto de já existir empresas especializadas na venda de informações sobre o andamento dos processos e da fila de recebimento. Dependendo do valor do crédito, basta o nome do credor aparecer no início da fila de recebimento para começar a receber propostas de venda, vindas de várias direções.
A Mercatório, de Belo Horizonte, surgiu há um ano sob a premissa de que a obscuridade do mercado de precatórios e a falta de confiança e informações entre as partes inibem a realização de negócios. Uma de suas atividades é a venda de informações sobre as ordens judiciais contra os Estados, a União e os municípios para importantes fundos de investimentos.
“Nosso objetivo principal é aproximar os credores dos compradores”, diz Breno Rodrigues, gestor do Mercatório. “Estruturamos e organizamos as informações que estão dispersas na internet e que serão usadas para a tomada de decisão de investimento.”
Dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do mês de maio, mostram, por exemplo, a existência de 26 fundos de investimentos em direitos creditórios (FDICs), que trabalham com um total de R$ 3,8 bilhões em precatórios. A maior parte desses fundos opera com títulos federais, que costumam ser pagos pela União com maior rapidez e, portanto, com deságio menor, de cerca de 20%. Mas já existem operações sendo feitas com os precatórios estaduais.
A área de precatórios também é aproveitada por escritórios de advocacia. O Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, por exemplo, assessora bancos e fundos de investimentos na compra desses créditos. “Nos últimos dois anos, os fundos internacionais têm olhado com muita atenção para esse tipo de oportunidade no Brasil. A taxa de retorno e os deságios são interessantes, além do fato de terem a garantia de um título público”, afirma advogado Tiago Lopes.
Para o advogado Cristiano Maciel, do escritório Maciel Advocacia, o aquecimento do mercado está ligado à publicação das emendas constitucionais 94 e 99. “A legislação trouxe uma segurança jurídica para as operações envolvendo os precatórios. O assunto, que antes era proibido e nebuloso, entrou na pauta dos escritórios de advocacia”, diz.
No Estado de São Paulo, a questão foi regulamentada por meio da Portaria nº 12, editada em maio pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Empresas com dívidas de cerca de R$ 600 milhões, em média, procuraram o órgão para realizar a compensação. Por ora, porém, nenhum dos precatórios apresentados passaram pelo crivo da Procuradoria.
De acordo com o coordenador de Precatórios da PGE-SP, Wladimir Ribeiro, há quem compre esses papéis sem saber a procedência, em que termos e mesmo se existem. Os problemas são identificados logo na primeira etapa, que é a verificação da titularidade do papel. “Parte dos contribuintes que nos procuraram para fazer a compensação tinham créditos adquiridos num passado remoto. As cessões mais recentes mostram-se mais regulares”, afirma.
Hoje, São Paulo é o Estado que mais deve em precatórios. As dívidas do governo estadual e dos municípios paulistas somadas alcançam R$ 59 bilhões (valor atualizado até setembro de 2017). Em segundo lugar, aparece o Paraná, com R$ 8,8 bilhões, seguido do Rio Grande do Sul, com R$ 5,1 bilhões, e Rio Grande do Norte, com R$ 5 bilhões. As informações da Mercatório têm como base de dados Tribunais de Justiça de cada Estado.
Valor.