União pode usar “ajuda externa” para acabar com incentivo fiscal

Compartilhe

Por Fernando Torres | De São Paulo

O governo pode usar um “empurrão externo” como argumento, ou desculpa, se quiser levar adiante a proposta em estudo sobre o fim do incentivo fiscal viabilizado pelo Juros sobre Capital Próprio (JCP), que reduz a base de Imposto de Renda e CSLL a pagar das empresas que atuam no Brasil.

O benefício concedido pelo país desde 1995 está na mira dos países desenvolvidos, que por meio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) coordenam o programa contra a Erosão de Base e Transferência de Lucros (BEPS, na sigla em inglês).

Levantamento feito pelo blog “Casa das Caldeiras” com 87 empresas que compõem o Ibovespa e o IBr-X aponta que somente elas devem economizar pouco mais de R$ 25 bilhões pelo uso desse instrumento ao longo de 2014. Como há retenção na fonte na hora da distribuição dos recursos, a renúncia fiscal do Tesouro acaba sendo menor, ficando em torno de R$ 15 bilhões.

Segundo a OCDE, muitas multinacionais desvirtuam os tratados internacionais antibitributação para conseguir reduzir a base tributária tanto no país onde investem como no país que recebe a remessa de lucros. O BEPS então se debruçou sobre 15 iniciativas para coibir práticas que eles dizem que levam à “dupla não tributação”. Um dos instrumentos na berlinda é exatamente o JCP brasileiro, que é considerado uma espécie de instrumento híbrido de capital e dívida, e que reduz a base tributária.

A regra atual permite que as empresas instaladas no Brasil tratem o JCP, que é uma ferramenta de distribuição de lucros, como despesa dedutível, como se fosse o pagamento de um empréstimo, dando um benefício de 34% sobre o valor repassado aos acionistas. Em compensação, há uma retenção de 15% de IR na fonte sobre o montante distribuído. O teto que pode ser pago via JCP a cada ano é obtido pela aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 5% ao ano, sobre o patrimônio líquido da empresa, com alguns ajustes.

“É uma ficção jurídica, porque cria-se uma despesa dedutível. Mas é um benefício fiscal que funciona, e que atrai investimento estrangeiro direto”, afirma Marcos Vinhas Catão, sócio do Vinhas e Redenschi Advogados. Quando o investidor estrangeiro recebe esse JCP em um país que tem acordo antibitributação com o Brasil, mas que tributa dividendo, ele normalmente deduz essa parcela paga no Brasil sobre o imposto devido na matriz.

A orientação que a OCDE começou a passar agora, por meio do BEPS, é que os países ricos deixem de reconhecer a dedutibilidade dos 15% na fonte. Se a recomendação for posta em prática, o estrangeiro passará a pagar, além dos 15% no Brasil, a alíquota integral a que estiver sujeito no seu país, o que desincentivará o uso do JCP para distribuir resultado.

De acordo com Catão, já houve na Espanha, no passado, questionamento jurídico sobre a dedutibilidade do IR retido na fonte sobre o JCP brasileiro, mas as empresas tiveram ganho de causa. “Mas agora vem o BEPS e dá essa recomendação para glosar”, diz ele, que é um crítico da iniciativa da OCDE, que no seu entender visa a beneficiar os países ricos em termos de arrecadação, em detrimento dos países pobres.

Na situação em que não se usa o JCP, as remessas ocorreriam somente por meio de dividendos, que são isentos no Brasil desde 1995, mas tributados na maior parte dos países desenvolvidos. Nesse caso, em vez de o Brasil ficar com pelo menos 15% do lucro repassado, não teria direito a nada. Por isso o fim do JCP e a tributação do dividendo no Brasil são citados de forma conjunta. Questionado ontem, na porta do Ministério da Fazenda, sobre tributação de dividendos, o ministro Guido Mantega, disse que não apresentou “nenhuma proposta nesse sentido”.

A questão é saber se Joaquim Levy, futuro titular da pasta, pensa da mesma forma. A princípio, mexer nessas regras no momento contraria o plano declarado de incentivar o uso do mercado de capitais como instrumento de captação de recursos para investimento.

Embora haja controvérsias, a versão mais difundida entre os especialistas é que o JCP foi criado na gestão do ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, após pressão do empresariado diante do fim da correção monetária dos balanços. O instrumento, segundo essa visão, minimizaria a tributação sobre o patrimônio, já que parte do lucro anual seria apenas uma atualização monetária, e não um ganho efetivo da empresa.

De acordo com Fernando Zilveti, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, o problema é que um instrumento que era parcial, e talvez fizesse sentido em 1995, se tornou algo perene. “É um benefício fiscal brasileiro, que fere os tratados internacionais, porque gera concorrência desleal em matéria de tributação internacional.”

Em relação aos dividendos, Zilveti diz que os países que dão mais atenção à questão de justiça tributária costumam tributá-los, ainda que parcialmente. “Muitos alegam que a tributação é indevida, porque a empresa já pagou imposto. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”, afirma. Para ele, não é razoável o grande empresário não pagar quase nada de Imposto de Renda na pessoa física, se ele tem capacidade para isso.

Edison Fernandes, sócio do Fernandes e Figueiredo Advogados, entende que cobrar Imposto de Renda sobre dividendos pode ser mais justo e isonômico, por ser uma forma direta de tributação. “Mas a medida deve ser pensada juntamente com a redução da tributação da pessoa jurídica e da tributação indireta (IPI, ICMS e ISS). Caso contrário, será somente mais uma fonte de receita para os cofres públicos, sem impacto econômico e na equalização das desigualdades”, afirma.

 
Fonte: Valor Econômico

 

Compartilhe
ASIS Tax Tech