“Todos os sistemas tributários do mundo são imperfeitos. Tributação ótima é uma ficção”. Foi com essa análise que Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, iniciou sua palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na manhã desta segunda-feira (18/09) sobre reforma tributária, tema em evidência no Brasil e que integra a agenda do atual governo.
O evento foi organizado pelo Conselho de Economia (COE) e pelo Conselho Político e Social (COPS) da entidade.
Na visão de Maciel, a reforma tributária deve ser vista não como um evento espetacular, mas como um processo contínuo que se resolve por meio de mudanças estratégicas, centradas em problemas específicos. Por esta razão, é inviável pensar numa ampla reforma no sistema tributário, como pretende o governo.
“Reformas pretenciosas sempre resultam em impasses. Não existem paradigmas tributários. Todos os sistemas tributários são fortemente influenciados pelas circunstâncias locais. Sendo assim, modelos tributários de outros países não são argumentos, mas inspirações”, afirmou.
Sobre as críticas a respeito da complexidade do sistema tributário brasileiro – um argumento que tem sido usado para a reformulação completa do modelo atual – o ex-chefe da Receita fez um convite aos participantes para conhecerem a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas nos Estados Unidos.
“A legislação tem 80 mil páginas, o que dificulta aos tributaristas conhecerem o sistema por completo, mas em partes”, explicou
Na visão de Maciel, é praticamente impossível uma reformulação profunda no sistema tributário brasileiro por razões várias, a começar pelos mitos e preconceitos que cercam a matéria, passando pela diversidade de interesses envolvidos.
A grande reforma na tributação do consumo realizada no Brasil, como lembrou, foi feita em 1965, durante o regime militar, ou seja, numa situação excepcional, de ruptura institucional.
RETROVISOR
Um dos pontos do projeto de reforma tributária do governo, em discussão no Congresso Nacional, é a criação de um imposto sobre consumo, com legislação federal, em substituição a tributos como ICMS, ISS, entre outros.
Para Everardo, é equivocada a pretensão de recriar um imposto do século 20, que está fadado à morte em decorrência de mudanças radicais nas estruturas econômicas, que deixaram de ser em cadeias para serem em redes. “Estão olhando o Brasil pelo retrovisor”, disse.
A globalização, explicou, exige mudanças nos conceitos tributários e leva à discussão de novas base de tributação, ao lembrar que um dos assuntos mais abordados na atualidade é a tributação dos robôs, ou da pessoa eletrônica, que deverá coexistir com as pessoas físicas e jurídicas.
SIMPLES NÃO É RENÚNCIA
Questionado sobre a visão da Receita Federal de que o Simples Nacional representa um custo tributário de R$ 80,7 bilhões, Everardo Maciel disse que o Simples, regime tributário voltado às micro e pequenas empresas, criado à época em que comandava a Receita, não pode ser visto como uma renúncia fiscal.
“É um modelo tributário respaldado na Constituição Federal. Não há nexo nessa expressão”, afirmou.
Para Marcel Solimeo, economista-chefe da ACSP, a alíquota diferenciada para as micro e pequenas empresas é um mandamento constitucional.
Se as micro e pequenas empresas arcassem com as mesmas alíquotas das companhias de maior porte, certamente o efeito sobre a arrecadação seria negativo.
“Do ponto de vista da arrecadação, é um equívoco imaginar que o aumento da alíquota não implicaria na volta da informalidade ou até ao fechamento das empresas de menor porte”, afirma Solimeo.
LITÍGIOS
Mais do que discutir um novo modelo de tributação, Maciel defendeu medidas urgentes para reduzir o contencioso tributário, resultado da histórica queda de braço entre o fisco e os contribuintes.
Os números apresentados por ele durante a palestra impressionam. O valor de créditos inscritos na Dívida Ativa da União supera R$ 1,5 trilhão. Além disso, são mais de R$ 620 bilhões em créditos federais sendo discutidos na esfera administrativa e R$ 330 bilhões na esfera judicial. “O atual modelo do processo tributário está esgotado”, concluiu.
Fonte: Diário do Comércio