Presidente do Sindifisco Nacional nega defender o fim do Carf

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O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), Kleber Cabral, desmentiu que a entidade tenha proposto o fim do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “Não falei, em momento nenhum, de extinção do Carf”, afirmou ao JOTA na noite desta terça-feira (05/02).

A proposta, disse, é a de reestruturar o processo administrativo federal, retirando uma das instâncias, os conselheiros que representam os contribuintes e reduzindo a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Na última segunda-feira (04/02), Cabral encontrou-se com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e apresentou um documento de quatro páginas com os principais pontos que, segundo a entidade, representam “desafios estruturais para que haja melhoria nas questões da arrecadação tributária”. Uma delas, de acordo com o Sinfidisco, é a reestruturação do trâmite do processo administrativo federal. Isso alteraria o papel atual do Carf.

O tema da reunião gerou especulações e repercussões entre advogados e entidades ligadas ao assunto, incluindo um posicionamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por meio da nota a Ordem afirmou que “a conduta adotada pela entidade [Sindifisco] parece estar desconectada também dos próprios valores da Receita Federal do Brasil, dentre os quais o ‘Respeito ao cidadão, (…), legalidade, profissionalismo e transparência’”.

Segundo Cabral, a proposta apresentada a Guedes acaba com a câmara baixa do tribunal. “Em vez de três instâncias, se sacaria a do meio, que é a câmara baixa do Carf. Ficariam duas instâncias. Uma para julgar e outra para uniformizar divergências”, salientou o presidente do Sindifisco. “Não há experiência no mundo em que você tenha três instâncias administrativas. Uma é obrigatório, duas é conveniente”.

Cabral disse que não chamaria o projeto de “extinção” do Carf

“Traríamos a Câmara Superior do Carf para dentro da Receita. Aí você teria a 1ª instância na Delegaria da Receita de Julgamento (DRJ) e uma segunda com o objetivo de uniformizar divergências entre as decisões de delegacia”, pontuou.

Atualmente, após a lavratura de um auto de infração, o processo é analisado pela DRJ. O assunto pode ser levado ao Carf, para ser julgado por uma câmara baixa composta de forma paritária por conselheiros que representam a Receita e os contribuintes. Em casos de divergência entre as turmas entra em ação a Câmara Superior, instância responsável pela pacificação de temas controversos dentro do tribunal administrativo.

Juíza, júri e executora

A alteração proposta por Cabral passaria também pela eliminação de qualquer elemento estranho à Receita Federal dentro do processo, como a existência de conselheiros dos contribuintes e mesmo a participação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Sobre os julgadores, Cabral entende que atualmente há uma desvirtuação do papel dos conselheiros que representam os contribuintes no tribunal. “[Os conselheiros] não são indicados pela academia ou fizeram algum concurso, são os indicados pelas grandes confederações”, afirmou.

“Isso gera um conflito de interesses em nossa visão, porque os grandes litigantes no Carf, com grandes processos, acabam influenciando as confederações para que, de forma oblíqua, indiquem julgadores de seus próprios recursos”. Cabral reconheceu que a viabilidade política da mudança é pequena, devido ao que considerou como “o poder das confederações”.

O presidente do Sindifisco, no cargo há pouco mais de um mês, também afirmou que hoje a PGFN tem uma organização mista e pouco eficiente dentro do processo administrativo tributário federal.

A Procuradoria se reporta hierarquicamente ao ministro [da Economia Paulo Guedes], mas é ligada tecnicamente à Advocacia-Geral da União. Isto traz dificuldades, porque ela está dentro de um órgão, mas ligada a dois senhores

Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional

Questionado se um novo Carf tornaria a Receita Federal “juíza, júri e executora” de uma causa, Cabral afirmou que o que deve prevalecer, neste caso, é a voz da administração. “Precisa ficar claro que não estamos falando do Judiciário, mas sim da solução administrativa de controvérsia. No contencioso administrativo deve prevalecer a voz da administração. Imparcial mesmo só o Poder Judiciário”.

Nos cálculos, R$ 1 trilhão

Cabral ainda defendeu que o contencioso administrativo saltou de R$ 700 bilhões para R$ 1 trilhão nos últimos cinco anos, cifra que foi questionada, por exemplo, pela OAB. Na nota por meio da qual defendeu o Carf a entidade diz que “o dado assusta, mas não é real. Informações gerenciais do Carf, de dezembro de 2018, revelam que o estoque, em setembro do ano passado, era de R$ 584 bilhões; houve uma redução do estoque de crédito tributário de 9,7% no último ano”.

A Ordem ainda afirma que “outro dado que deve ser considerado é o volume de autuações que são canceladas pelo Carf. Elas giram em torno de assustadores 52,4%, o que denota que os Auditores da Receita Federal do Brasil não têm respeitado a legalidade na maioria das autuações fiscais”.

O presidente do Sindifisco, entretanto, afirmou que “o valor que a OAB apresenta sobre o Carf é o valor nominal. Eu estou falando do valor atualizado, que são mais R$ 800 bilhões. Mais outros R$ 200 bilhões na 1ª instância de julgamento, dá R$ 1 trilhão”.

Mudanças em vez de extinção

Tributaristas ouvidos pelo JOTA foram unânimes em dizer que o Carf precisa de transformação, e não de extinção.

Para a professora de Direito Tributário Vanessa Rahal Canado, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o maior problema hoje é a falta de interlocução entre o conselho e o governo federal.

“A grande causa dos problemas é o modelo do Carf, não a existência dele. O que mais atrapalha é a falta de uniformidade nas decisões. Para resolver o problema, proponho uma melhor interlocução com a Fazenda, para que os julgamentos sejam mais uniformes. O ideal seria que os ministros ou secretários de governo se envolvessem mais, apontassem caminhos, dissessem o que fazer em determinados temas, e não deixassem que o Fisco interprete tudo como ele quer”.

O advogado Breno Vasconcelos, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, opina que extinguir o Carf não criaria mais celeridade aos processos tributários. Para ele, é preciso rever a atuação da Receita Federal.

“Poderíamos acabar com o Carf? Claro. Mas, antes disso, você precisa pensar no problema real, maior, que é a cultura do nosso Fisco. Nós temos um sistema altamente complexo e cheio de armadilhas. Cria-se uma enxurrada de autos de infração viciados, errados, sem diálogo com o contribuinte. Os processos estão se acumulando e não é propriamente culpa do Carf. Enviar tudo ao Judiciário seria apenas transferir o problema de lugar”, diz.

O conselheiro Leonardo Ogassawara, representante dos contribuintes no Carf, diz que não acredita no fim do conselho durante o governo Bolsonaro. “Bolsonaro e Paulo Guedes se elegeram com um discurso pró-iniciativa privada. Qual é o sentido, para eles, de acabar com um conselho que faz um controle de legalidade em prol do contribuinte? Além disso, a extinção vai contra uma prática internacional de esferas administrativas”, comenta.

Para Ogassawara, a extinção não implicaria em economia à União. “Hoje existem mais de 200 mil processos no Carf. Imagine esse volume sendo transferido ao Judiciário. Criaria um colapso. Além disso, qual é o custo do Carf em comparação ao Judiciário? É bem menor. E ainda tem o tempo: um conselheiro demora bem menos para analisar um processo do que um juiz”.

O conselheiro concorda que é preciso aprimorar o modelo do Carf, mas diz não saber quais caminhos seguir neste momento. “O Carf está em um processo de amadurecimento, que é demorado. Não dá para deixar de levar em conta todas as súmulas que foram produzidas até hoje, por exemplo, ou as discussões feitas. É claro que é sempre preciso aprimorar os processos, mas não há um consenso sobre o que fazer. O consenso que há é: o Carf precisa continuar existindo”.

Fonte: Portal JOTA.

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