Desde a sua criação, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) é um benefício fiscal cercado de polêmicas. São várias as discussões judiciais envolvendo o programa, e o seu encerramento antecipado tem a capacidade de gerar mais uma delas.
O novo debate, que já fomentou pelo menos duas liminares favoráveis aos contribuintes, gira em torno da possibilidade de finalização antecipada do programa pela MP 1202/23. A medida prevê que as isenções fiscais do Perse serão encerradas entre abril de 2024 e janeiro de 2025, e não mais em 2027, como estabelecido anteriormente.
O cenário levou advogados a defenderem que o Código Tributário Nacional (CTN) proíbe que isenções concedidas por prazo certo ou atreladas a condições específicas sejam revogadas a qualquer tempo. A possibilidade de aplicação do dispositivo à situação do Perse, entretanto, divide opiniões, mesmo entre tributaristas. Não há consenso de que o programa poderia ser considerado como condicionado a determinadas condições, o que torna difícil cravar a vitória dos contribuintes em relação ao tema a longo prazo.
60 meses
Criado em 2021, o Perse tinha por objetivo socorrer um dos setores mais prejudicados pela Covid-19: o de eventos. Com o tempo, porém, o programa foi sendo alterado, a ponto de ser caracterizado como “populismo fiscal” praticado pelo governo Bolsonaro, dada a quantidade de setores que foram incluídos. Atividades pouco relacionadas a eventos, como instalação de janelas e portas, tradução e segurança privada, por exemplo, poderiam aderir ao Perse até o começo de 2023.
Com o passar do tempo, o Perse foi gerando demandas judiciais relacionadas aos mais diversos temas. Exemplos são a exigência de cadastro no Ministério do Turismo (Cadastur) para ter acesso às alíquotas zero de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL e a exclusão, no começo de 2023, de 50 setores do programa. Esses e outros assuntos desaguaram no Judiciário, que vem sendo chamado a se manifestar sobre o assunto.
A nova onda de judicialização pode vir com a antecipação do fim da alíquota zero dos tributos federais, conforme consta na MP 1202. O tema ainda deve ser analisado pelo Congresso, e, em que pese alguns parlamentares defenderem que o tema fique de fora da medida, o cenário atual é de permanência do assunto na MP. Os prazos para o final do benefício fiscal — abril de 2024 para PIS, Cofins e CSLL e janeiro de 2025 para o IRPJ — ainda podem ser alterados.
Pelo menos duas empresas, entretanto, já obtiveram liminares pela manutenção dos benefícios fiscais até 2027. A medida mais recente, de número 1000990-88.2024.4.01.4002, data de 20 de fevereiro, e beneficia a empresa Pôr do Sol Hotéis e Turismo LTDA. A mais antiga, de 24 de janeiro, tem como parte a companhia ClickBus (5001270-45.2024.4.03.6100).
Em ambos os casos, as partes elencaram o artigo 178 do CTN para buscar a derrubada dos termos da MP. O dispositivo define que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo”.
No caso da Pôr do Sol Hotéis e Turismo LTDA, a empresa ainda apontou a Súmula 544 do STF, que define que “isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”. Ao conceder a liminar, o juiz federal substituto Flávio Ediano Hissa Maia, da Subseção Judiciária de Parnaíba (PI) considerou que, no caso do Perse, a desoneração não foi “mero ato de incentivo, na medida em que, para fazer jus ao favor, os contribuintes precisam estar inseridos dentre os agentes que mais obtiveram perdas durante o estado de calamidade, o que se deu justamente porque, em razão de sua atividade, foram os maiores afetados pelas condições e medidas sanitárias impostas no enfrentamento da pandemia”.
Em que pese o número baixo de ações judiciais até agora, tributaristas apostam que a proximidade do dia 1º de abril (quando voltará a ser cobrado parte dos tributos zerados pelo Perse) e uma eventual aprovação da MP pelo Legislativo devem aumentar a procura pelo Judiciário. A tese da aplicação do artigo 178 do CTN ao caso concreto, porém, divide opiniões.
O advogado Luís Eduardo Veiga, do Veiga Law, que defende a empresa ClickBus, diz concordar em “número, gênero e grau” que o Perse se adequa à situação prevista no dispositivo. Além de ter uma data fixa (60 meses), há condições determinadas, como o fato de o contribuinte ter que pertencer a um grupo determinado de CNAEs para fazer jus às isenções.
A advogada Letícia Avelino Lustosa, do MWA Advogados, que defende a Pôr do Sol Hotéis e Turismo, concorda. Ela, porém, indica cautela aos contribuintes com eventuais liminares, já que há a possibilidade de derrubada posterior pelo Judiciário. Uma opção seria continuar fazendo o pagamento dos tributos, e, com o trânsito em julgado do processo, pedir a restituição.
Para a procuradora Camilla Cabral, coordenadora de estratégias judiciais da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por outro lado, o artigo 178 não poderia ser aplicado à situação da MP 1202, entre outros pontos, pelo Perse não envolver isenção, mas sim alíquota zero. “Além de se tratar de alíquota zero, não foi prevista qualquer contrapartida pelos contribuintes, e não se pode confundir a necessidade de comprovação no enquadramento no setor de eventos com qualquer condição onerosa”, diz.
Até mesmo advogados tributaristas têm um “pé atrás” na tese sobre a possibilidade de aplicação do artigo 178. Ao JOTA, dois advogados afirmaram considerar que, no caso do Perse, não existem condições onerosas.
Além de estar em primeira instância, a revogação antecipada do Perse é objeto de uma ação em tramitação do Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio da ADI 7587, sem previsão de julgamento por ora, o partido Novo questiona a MP 1202, alegando, em relação ao Perse, que o programa envolve uma isenção condicional.
Fonte: JOTA
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