As mudanças, que agora dependem apenas de sanção do presidente Michel Temer, vão obrigar empresas a recolher o imposto no município em que o serviço foi prestado e não na origem
São Paulo – A reforma do Imposto Sobre Serviços (ISS), aprovada no Senado na semana passada, aumentará a dificuldade das empresas para pagar o tributo, uma vez que o recolhimento não será feito no domicílio da companhia, e sim no lugar em que foi prestado o serviço.
Segundo o sócio do PVG Advogados e especialista em direito tributário, Matheus Bueno de Oliveira, a tributação dos serviços no domicílio do tomador em vez do prestador gera algumas dificuldades práticas. Pior ainda, acrescenta ele, quando se trata de um imposto municipal em um País com mais de 5 mil entes dessa natureza, sendo que cada um deles pode criar uma legislação e uma alíquota diferente.
Para Oliveira, um ramo de atuação que sofrerá muito com a regulamentação – que ainda depende de uma sanção do presidente Michel Temer – é o de empresas que realizam o rastreamento remoto de veículos. “Cada município em que o rastreamento de carro é feito recebe um imposto”, afirma ele, ressaltando que o resultado disso será uma carga maior de trabalho para quem é responsável pelo planejamento tributário desse tipo de empresa.
O advogado vê também um sério risco de pulverização dos tributos devidos para outros tipos de negócios, como franquias – negócio em forma de parceria na qual uma empresa concede a terceiros o direito de explorar os seus produtos e serviços -, planos de saúde e serviços de cartão de crédito.
Oliveira critica ainda o fato de a lei não especificar melhor de que maneira o imposto será recolhido, o que pode confundir os empresários e abrir caminho para uma série de questionamentos na Justiça quanto à necessidade de se pagar o tributo. “A ideia da nova legislação é cobrar o pagamento do ISS sobre os serviços no município do tomador, mas como isso será feito ficará a cargo da lei municipal. Não tem no Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD) 15/2016 um procedimento uniforme. Os municípios devem criar mecanismos de controle, mas o empresário, seguindo à risca o que está na lei, deve saber provar onde a pessoa para quem ele prestou um serviço está”, explica.
Já o sócio do escritório Souto Correa Cesa Lummertz & Amaral Advogados, Henry Lummertz, diz que o projeto que os senadores analisaram tinha grandes chances de solucionar o problema da guerra fiscal sem piorar ainda mais o ambiente de negócios no Brasil. “Eles poderiam ter colocado o lugar da prestadora como base para a tributação. Do ponto de vista prático, não foi a decisão mais inteligente a que o Congresso tomou.”
Lummertz vê no texto final que foi enviado pela Câmara dos Deputados ao Senado, um reflexo da pressão política exercida pelos municípios que se sentiram lesados por essa “guerra”. Ele conta que muitas cidades ofereciam incentivos fiscais para atrair empresas, em uma situação parecida com a que ocorre com os estados no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).”O prestador de serviço ia muito para Barueri e não para São Paulo, por exemplo. Para enfrentar essa guerra fiscal, [os parlamentares] ignoraram essa questão da base das empresas e preferiram ouvir os anseios dos prefeitos.”
Com isso, lembra ele, os custos das empresas vão aumentar, em decorrência dos gastos para adequar as suas operações à nova forma de cobrança do imposto. Esse custo, segundo Lummertz, pode acabar sendo repassado para o consumidor final dos serviços.
Novos impostos
Além da mudança na localidade da cobrança do imposto, o SCD 15 também institui novas taxações, passando a incidir sobre serviços sobre os quais ele não incorriam antes. Entre eles, estão os aplicativos e sites de streaming como Netflix, Spotify e o recém-chegado ao Brasil, Amazon Prime.
Segundo Oliveira, isso significa que além do custo adicional da necessidade de adequação, ainda haverá um ônus para quem ainda não pagava ISS. “Para quem não pagava um imposto sobre o Netflix, isso vai ser mais claro. E tem também os casos de serviços que já pagavam esse imposto, mas para um município só e terá de pagar para outros entes [federativos.”, observou.
Ele conta que a lei trouxe uma revogação, dois itens novos e 12 novas redações a itens antigos. Para muitos itens, acrescenta, houve uma atualização para incluir tecnologias e serviços que não existiam na época da redação anterior.
Para esses casos, Lummertz vê ainda outro problema, que é a cobrança de tributo sobre um serviço que, na prática, não foi prestado. Esse é o caso, por exemplo, da cobrança do ISS sobre o armazenamento de dados na internet. “Eu questiono a legitimidade do tributo. O serviço pressupõe que eu faça alguma coisa para alguém. Se eu deixar uma empresa inserir dados no meu espaço digital, eu não estou fazendo nada para ela”, avalia o advogado.
Na avaliação dele, esse tipo de questionamento pode ser usado para judicializar a questão, com o envio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) ao Supremo Tribunal Federal (STF). E, na opinião do especialista, há boas chances da Corte considerar a lei inconstitucional nesses casos. “Os precedentes do STF em armazenamento de dados são de que se não há serviço, não há como cobrar imposto.”
Já na questão da “guerra fiscal”, a esperança das empresas reside mesmo em um veto de Temer, que só ocorreria caso a pressão das companhias sobrepujasse a dos municípios, diz o sócio do Souto Correa.
Ricardo Bomfim
Fonte: DCI