Jurisprudência conectada à internet

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|Valor Econômico|Fernando Hargreaves|29072011|

A internet tornou-se uma ferramenta de trabalho e comunicação dominante e inquestionável em todo o mundo. Mas foi necessário esperar 17 anos desde o seu lançamento no Brasil para que a Justiça do país passasse a validar oficialmente as informações sobre andamentos processuais divulgados on-line. Em dois julgamentos recentes, ocorridos em dezembro de 2010 (no Recurso Especial 1.186.276) e em junho de 2011 (no Recurso Especial 960.280), a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, com base na Lei nº 11.419, de 2006, as informações processuais veiculadas em site de Justiça têm valor oficial, rompendo a orientação dominante que considerava tais dados desprovidos de valor legal. Essa mudança, mesmo que tardia, representa um grande avanço para a jurisprudência nacional.

A Lei nº 11.419 disciplina o uso do meio eletrônico na tramitação dos processos judiciais, a comunicação de atos e a transmissão de peças processuais. Apesar disso, a convenção jurisprudencial orientava a não utilização de dados virtuais, considerados meros utensílios de apoio. Os próprios sites do Poder Judiciário, inclusive, alertavam para a falta de caráter oficial das informações ali contidas. Os elementos lançados pelas serventias judiciárias nos sistemas informatizados terminavam sem utilidade, uma vez que os representantes das partes se viam obrigados a conferir os dados virtuais com os constantes nos autos – prevalecendo sempre estes últimos. Essa obrigatoriedade resultava em morosidade e não condizia com a realidade mundial, que é cada vez mais informatizada, conectada e virtual.

A ausência de valor oficial das informações contidas em sites de Justiça podia até ser aceitável enquanto os sistemas informatizados e a internet ainda eram pouco difundidos. Porém, já havia se tornado mais do que anacrônica nos dias atuais, em que os sistemas de consulta processual são ferramentas essenciais para qualquer advogado que atue no contencioso.

O uso das informações publicadas em sites judiciais representava, até então, uma controvérsia jurisprudencial, uma vez que era analisado de formas distintas em cada caso, quando o mais sensato seria unificar essa orientação. Exigir que o advogado comparecesse ao cartório ou ao tribunal para se informar do trâmite processual nada mais era do que um contrassenso. E foi isso que o ministro Massami Uyeda argumentou ao julgar um recurso especial do Rio Grande do Sul. Com a regulamentação do processo eletrônico, a tese que dominava a jurisprudência perde sentido, uma vez que existe legislação vigente que valida oficialmente as informações veiculadas em sistemas informatizados on-line.

Além disso, a orientação tradicional sempre pareceu estar fora de sintonia com os princípios que devem reger as ações do Poder Público. A presunção de veracidade dos atos da Administração e das informações provenientes de fonte oficial é princípio básico, que provém do direito administrativo. Os andamentos processuais divulgados pela internet são lançados pelas diversas serventias que compõem a administração Judiciária, e se qualificam, portanto, como informações prestadas pelo Poder Público, devendo, assim, serem consideradas como verídicas, como o são todos os atos da administração pública.

Era urgente também que a Justiça passasse a reconhecer como fato grave a veiculação de informações inexatas nos sites da administração Judiciária, o que atenta contra a confiança depositada pelos operadores do direito nas informações provenientes dos juízos e tribunais. Caso haja algum problema técnico, erro ou omissão do serventuário da Justiça responsável pelo registro dos andamentos, que traga prejuízo a uma das partes, poderá ser configurada a justa causa prevista no art. 183, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), salvo impugnação fundamentada da parte contrária.

As modernas técnicas de acompanhamento processual abraçaram definitivamente a informatização e não há motivos para questionar a credibilidade dos dados veiculados eletronicamente. O uso da internet ainda proporciona economia de recursos, por facilitar o armazenamento de dados; proteção ao meio ambiente, por permitir menor uso de papel e menos deslocamentos; e maior rapidez ao processo, evitando a burocracia e a morosidade que, muitas vezes, dominam os processo no Brasil. É com entusiasmo que a comunidade jurídica assiste à mudança do paradigma jurisprudencial.

Fernando Hargreaves é fundador do escritório de advocacia Hargreaves e Advogados Associados e doutorando pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora – Argentina

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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