Na primeira semana após o julgamento do STJ, Carf negou o creditamento em dois casos.
Por cinco votos a três, a primeira seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no dia 22 de fevereiro, que insumos, para fins de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins, são “bens e serviços essenciais para a atividade de uma empresa”. O caso foi finalizado com uma visão menos restritiva do conceito, beneficiando os contribuintes – em um movimento de repercussão quase imediata no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Três dias depois, em 26 de fevereiro, logo nas primeiras sessões de turmas ordinárias do Carf após o julgamento no STJ, advogados já utilizavam do Recurso Especial (REsp) nº 1.221.170 como argumento para pleitear o direito ao crédito de PIS e Cofins para empresas. O tema foi analisado por ao menos duas das turmas da 3ª seção, responsável por julgar casos relacionados a PIS e Cofins, em três processos.
Apesar do entendimento favorável do STJ, entretanto, as empresas não conseguiram ter no Carf o direito ao crédito reconhecido. Isso porque, para parte dos conselheiros do tribunal, o precedente tomado por meio de repetitivo só poderia ser utilizado na esfera administrativa após a publicação do acórdão.
Call Center e reciclagem
Em processo na 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf, a Via Varejo, dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, recorreu ao tribunal requerendo créditos de PIS e Cofins sobre diversos gastos, como a manutenção de lojas físicas, as despesas com serviços de cartões de crédito e com propaganda.
Segundo o patrono da contribuinte, o caso tinha total conexão com o Recurso Especial julgado no STJ dias antes: os custos na produção de chaves de uma loja ou as estratégias financeiras para facilitar a aquisição de produtos, apresentadas como casos concretos no processo, possuem relação de essencialidade ao sucesso da atividade que a empresa resolveu praticar.
Em outro caso julgado no dia seguinte, a fabricante de eletrodomésticos Whirlpool, responsável pelas marcas Brastemp e Consul no Brasil , utilizou-se do mesmo argumento perante a 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, pleiteando o direito de crédito sobre valores com propaganda, call center e reciclagem, arguindo que alguns gastos, além de essenciais à atividade definida em estatuto, eram fixados pela legislação específica. O Decreto nº 6.523/2008, na visão da contribuinte, a obrigaria a manter um serviço de atendimento ao consumidor (SAC).
Na quarta-feira, foi a vez das Lojas Americanas, em processo analisado pela 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, pleitear gastos relativos às suas lojas físicas, em itens tais como sacolas plásticas.
Debate
O tema foi bastante comentado pelos conselheiros das duas turmas nas deliberações. “O precedente do STJ, quando publicado, deve valorizar o caso a caso”, afirmou o relator do caso da Via Varejo, conselheiro André Lemos, durante a leitura de seu voto. Mesmo com a mudança, o peso do Resp ainda não se mostrou efetivo nas decisões: no caso da Via Varejo (que, com autos cobrando cerca de R$ 250 milhões, é um dos 500 de maior valor em julgamento no Carf) acabou com perda para a contribuinte em todos os temas tratados, prevalecendo o entendimento dos conselheiros de que os insumos, para efeitos de PIS e Cofins, contemplariam apenas a atividade industrial, e não o comércio, em cenário que se repetiu no caso das Lojas Americanas.
No caso da Whirlpool foi deferida a diligência para que o caso voltasse à primeira instância administrativa. O requerimento soou como um sinal positivo para a contribuinte: como o caso não deve voltar antes do segundo semestre, a expectativa é que sua nova apreciação pela turma já ocorra com o acórdão do STJ publicado.
Essencialidade e relevância
Em nota, o STJ informou que ainda não há previsão para a publicação do acórdão, o que pavimentaria seu imediato efeito vinculante. Por ser um tribunal administrativo, o Carf é obrigado pelo seu regulamento interno a seguir decisões definitivas de instâncias superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o STJ.
Para advogados e ex-conselheiros ouvidos pelo JOTA, a decisão a ser publicada é benéfica para os contribuintes com casos relativos a insumos no conselho. Para Flávio Carvalho, advogado do escritório Schneider, Pugliese Advogados, o ponto mais importante está no voto da ministra Regina Helena Costa, que entendeu pela essencialidade e relevância, não apenas para o processo produtivo, mas para a atividade da empresa como um todo. “Não sei se os advogados já estão trazendo estas questões baseadas nesta amplitude, pois isso pode ser importante para o Carf analisar”, argumentou Carvalho.
Para o professor de direito tributário da FAAP German Alejandro San Martín Fernández, o resultado do REsp não deverá tirar dos conselheiros do órgão o seu poder de decisão. “O Carf vai ficar com ampla competência decisória, à luz das provas dos processos administrativos, para dizer se de fato aquele determinado insumo dá direito creditório ou não”, afirmou. San Martín, que foi conselheiro do órgão entre 2011 e 2016, lembra que “a Câmara Superior, desde 2010, já adotava este conceito mais amplo [presente no REsp]”.
“A única diferença é que a Câmara Superior aplicava a essencialidade, mas negava o insumo”, reiterou o advogado Flávio Carvalho. “Agora, com a decisão do STJ, essa linha de raciocínio perde efeito”.
Ganhar, mas não levar
Tanto Carvalho quanto San Martín acreditam que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) interponha embargos com efeitos infringentes contra a decisão do STJ. O dispositivo pode atrasar o efeito vinculante do REsp, jogando contra os casos que esperam da decisão.
Há chances de que o caso siga o mesmo caminho do Recurso Especial (RE) nº 574706, julgado pelo STF e que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. De relatoria da presidente Cármen Lúcia, o RE teve seu acórdão publicado em dois de outubro do ano passado. Pouco depois, a PGFN interpôs embargos de declaração, solicitando que a previsão tivesse efeito apenas em 2018. Os embargos ainda não foram analisados pelo STF.
Com isso, cresce a chance de que o impacto dentro do Carf ocorra rapidamente. “Segurança jurídica na matéria é algo que os contribuintes aguardam há bastante tempo, e certamente com muita ansiedade e preocupação”, explicou o doutor em direito e sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados em Belo Horizonte, Henrique Napoleão Alves. “Tomara que Fisco e julgadores tenham a mesma atenção que os contribuintes tiveram com o REsp nº 1.221.170. A incoerência entre a seara administrativa e a judicial resulta em litígios evitáveis. Todos perdem com isso.”