Reforma do governo Bolsonaro amplia cobrança da alíquota previdenciária a verbas de qualquer natureza, como auxílio-alimentação e participação nos lucros.
Além de aumentar tempo de contribuição a 40 anos para ter aposentadoria integral, reduzir valor do benefício em alguns casos em quase 50%, entre outras medidas, a Reforma da Previdência do governo Bolsonaro também cria alíquotas de recolhimento para o INSS sobre rendimentos do trabalho “de qualquer natureza”, não só no salário-base. Na prática, abre uma brecha para que incida sobre benefícios indiretos como vale-refeição, auxílio-alimentação, participação nos lucros, 13º salário e adicional de férias, por exemplo.
Atualmente só pode incidir contribuição previdenciária sobre o que repercutir na aposentadoria, em tese, o salário. “Os primeiros 15 dias de auxílio-doença, 1/3 de férias, 13º salário e outras rubricas não incidem na aposentadoria, então não pode haver contribuição previdenciária”, explica Guilherme Portanova, especialista em Direito Previdenciário e advogado da Federação das Associações dos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio de Janeiro (Faaperj).
“Como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6 no seu Artigo 195 diz que incide sobre verbas de qualquer natureza, abre uma brecha para uma interpretação dúbia, ou extensiva, de que pode ser aplicada sobre qualquer coisa”, complementa Portanova.
Para João Badari, do escritório Aith Badari e Luchin Advogados, essa falta de clareza no texto da PEC 6, vai impactar diretamente o salário do trabalhador ainda da ativa. Ele acrescenta que a discussão sobre taxação dessas outras verbas para fins de arrecadação previdenciária tem se dado na esfera judicial. As empresas descontam, mas os tribunais têm entendido que esses valores não deveriam entrar na base do salário-contribuição. Só que com a PEC 6, o que poderia ser questionado na Justiça passa a ser lei.
LEI PREVÊ EXCEÇÕES
Atualmente, a Lei 8.212/1991, que trata do custeio previdenciário, além de determinar regras para as contribuições, prevê exceções de pagamentos que não integram o salário-de-contribuição do trabalhador – o que na prática significa a exclusão dos valores no cálculo da contribuição sobre a folha de pagamentos pelas empresas.
“Seria o caso do auxílio alimentação ou indenizações por prejuízos sofridos pelo empregado na prestação de um serviço, por exemplo”, afirma Badari. “Na prática, por causa do Artigo 195 muitos pontos da Lei 8.212 passariam a ser inconstitucionais porque com as alterações promovidas pela PEC a própria Constituição determinaria a aplicação da legislação de uma forma diferente”, explica Badari.
Mas segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, a mudança no artigo ocorre apenas para estabelecer de forma clara quais verbas entram para a base de cálculo e quais não. Atualmente, o assunto é discutido na Justiça.
Paga empregado, paga empregador, sofre o comércio
Um ponto destacado pelos especialistas ouvidos pelo DIA é que esse aumento na base de incidência da alíquota do INSS afeta trabalhadores e empregadores. João Badari explica que um trabalhador que receba R$ 2 mil de salário e mais R$ 400 de vale-refeição, por exemplo, tem a base do seu salário-contribuição feita sobre R$ 2 mil. “Mas com a reforma esses R$ 400 do tíquete também vão entrar no cálculo, mesmo que sejam pagos em cartão magnético”, acrescenta.
Já a advogada Jeanne Vargas, do escritório Vargas e Navarro Advogados Associados, chama atenção para a questão dos empregadores. “Esse aumento da base de incidência da alíquota alcança diretamente o empregador, que poderá reduzir o valor de benefícios como o vale-refeição, o vale-alimentação, para compensar o aumento do tributo”, avalia Jeanne.
“É provável que o empregador comece a dar um valor menor no vale-refeição, por exemplo, ou diminua o salário, especialmente nas empresas menores, que têm maior limitação financeira e às vezes não conseguem assumir esses encargos”, acrescenta João Badari.
E essa possível diminuição de valores, tanto no tíquete quanto no salário, pode afetar uma outra ponta: o comércio. “Com menos dinheiro, as pessoas buscam por outras opções na hora de se alimentar. Podem mudar de restaurante e começar a levar comida de casa”, diz.
E em um universo com mais de 13 milhões de desempregados, segundo levantamento do IBGE, o poder de barganha do empregado pode ficar comprometido. E é aí que mora o problema, segundo Marcellus Amorim, advogado trabalhista. “Algumas categorias são mais fortes, têm sindicato representativo, portanto poder de barganha. Já quem não tem representatividade vai acabar se sujeitando a salários menores e benefícios parcos”, alerta Marcellus Amorim. “Ter emprego hoje em dia já é uma loteria, manter as contribuições em dia, ficará ainda mais difícil”, finaliza o advogado trabalhista.
Para Receita, taxa não incide em benefício indireto
De acordo com a própria Receita Federal, atualmente não incide contribuição previdenciária sobre vale-alimentação. Em uma solução de consulta, a Receita alterou seu entendimento sobre a taxação da contribuição previdenciária sobre o auxílio-alimentação. De acordo com o Fisco, quando o auxílio for pago ‘in natura’ ou por meio de tíquete ou vale, não há cobrança de contribuição previdenciária para o trabalhador.
Já quando o valor for pago em espécie, ele integra a base de cálculo para fins de incidência das contribuições sociais previdenciárias a cargo da empresa e dos empregados. O novo entendimento está na Solução de Consulta 35/2019, publicada no Diário Oficial da União de 25 de janeiro.
Em dezembro de 2018, em outra solução de consulta, a Receita afirmava que havia incidência de contribuição previdenciárias sobre o auxílio-alimentação, não importando a forma de pagamento.
Ao destacar a importância da última decisão, o tributarista Fábio Calcini lembra que a jurisprudência no caso dos tíquetes não era favorável ao contribuinte, havendo diversas decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), mantendo a incidência da contribuição.
“Essa alteração reconhecida pela solução de consulta é uma evolução importante, até porque a alimentação fornecida, de certo modo, não deixa de ser um meio para a execução do trabalho. Não chega a ser, na minha visão, efetivo benefício a ser considerado salário indireto”.
Fonte: PORTAL CONTÁBEIS/O DIA