A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou em outubro de 2018 a nova versão 1.3 da DCTFWeb. Mais completa e com exemplos adicionais, a nova versão da declaração incorpora a experiência empírica da RFB em face do início da obrigatoriedade de entrega da declaração a partir de setembro de 2018 (relativa aos fatos geradores de agosto de 2018).
Neste breve estudo pretende-se denunciar equívoco grave mantido pela nova versão 1.3 da declaração em relação ao tema da suspensão da exigibilidade da obrigação tributária envolvendo as contribuições previdenciárias quando lastreada em depósitos judiciais e que não foi resolvido com a publicação pela Receita Federal do Brasil do recente Ato Declaratório Executivo (ADE) CODAC nº 8/2019, que alterou o ADE/CODAC nº 24/2016.
Para exemplificar o pano de fundo da discussão, peguemos o caso clássico da discussão judicial envolvendo o não recolhimento da contribuição previdenciária patronal e das contribuições de terceiros (que aqui chamaremos apenas por “contribuições”) incidentes sobre o pagamento do terço constitucional de férias, enfrentando por diversas empresas.
Este é o típico caso de discussão jurídica que impacta diretamente no valor das contribuições mensais que devem ser recolhidas à RFB naquelas situações em que a empresa obtém a suspensão da exigibilidade por um de seus modos (por exemplo, mediante obtenção de liminar ou depósito judicial). Vamos explorar o tema.
Como sabido, para a RFB, ainda hoje, as contribuições em tela incidem sobre o valor pago pela empresa a seus empregados a título de terço constitucional de férias[1]. Portanto, o eSocial está parametrizado para considerar o valor das contribuições incidentes sobre o total das remunerações pagas, incluindo sobre o terço de férias e considerá-lo um débito previdenciário a ser formalizado (“constituído”) e confessado na DCTFWeb, como todos os demais. Digamos, a título de exemplo, que o valor da contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre o total das remunerações pagas pela empresa no mês de agosto de 2018 seja de R$ 1.000, sendo que R$300 se refira ao valor do terço de férias pago neste mesmo mês aos empregados. Se a exigibilidade da obrigação de recolhimento das contribuições sobre a parcela do terço de férias estiver suspensa, a empresa contribuinte ficará dispensada de recolher o valor de R$ 300,00, de forma que o débito exigível e a constar no DARF-Senda a ser emitido pela DCTFWeb será de R$ 700,00. Como dizer isso ao sistema? O primeiro passo é preencher os Eventos S-1010 e S-1070 do eSocial (etapa anterior à DCTFWeb), que se encarregará de calcular o débito do mês e o correspondente desconto do valor suspenso. Por consequência, a DCTFWeb já será alimentada com estas mesmas informações, cabendo à empresa contribuinte apenas efetuar a chamada “vinculação” do valor suspenso ao valor débito.
Pois bem, feito este introito, passemos ao ponto objeto deste artigo, que se preocupa com o caso específico em que a suspensão da exigibilidade é feita mediante depósito judicial dos valores sub judice (o terço constitucional de férias, no exemplo que estamos utilizando). Qual o problema concreto? Vejamos.
A versão 1.3 do Manual (assim como a versão anterior), no seu item 12.6.1, faz duas afirmações que afrontam a própria normatização da RFB. Primeiramente, o Manual afirma, em caixa de texto destacada, que “Os DJE são efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante DARF específico, conforme Lei nº 9.703, de 17 de novembro de 1998, e Decreto nº 2.850, de 27 de novembro de 1998. O modelo do DJE e as instruções de preenchimento foram aprovados pela IN SRF nº 421, de 10 de maio de 2004.”.
Pois bem, lida isoladamente, a informação parece correta, mas não é. Por quê? Basta verificar o que vem logo na sequência, quando o Manual afirma que “Os códigos de receita DJE utilizados na DCTFWeb são aqueles atualmente previstos no Ato Declaratório Executivo (ADE) CODAC nº 24, de 13 de setembro de 2016. Portanto, a partir da obrigatoriedade de se utilizar o sistema DCTFWeb, não devem ser usados outros códigos de receita DJE.”.
Ora, a RFB está ignorando, arbitrariamente, que os depósitos judiciais de contribuições previdenciárias e de terceiros tem por base legal duas Instruções Normativas de sua própria lavra, ambas em vigor na presente data, quais sejam: (a) a IN/SRF 421/2004 (que é aquela observada pelo Manual e pelo sistema DCTFWeb) e (b) a IN/RFB 1.324/2013, absolutamente ignorada pelo Manual.
Qual a diferença entre elas? A IN/SRF 421/2004 só se aplica a depósitos judiciais de contribuições previdenciárias objeto de lançamento de ofício, nos termos de seu artigo 1º, § 4º [2], caso em que o modelo de guia de depósito (DJE) e os códigos de depósito a que ela se refere são aqueles disciplinados pelo ADE/CODAC nº 24/2016. Ou seja, segundo regulamentação da própria RFB, ainda em vigor, referidos códigos só deveriam ser utilizados pela empresa contribuinte quando efetuar depósito judicial de contribuições previdenciária formalizada em auto de infração, o que, como se sabe, é a exceção. Desta forma, todos os demais depósitos judiciais – portanto, não oriundos de valores autuados – devem ser feitos com base na IN/RFB 1.324/2013, cujo Anexo V disciplina códigos de depósitos judiciais específicos e totalmente diversos, inclusive impondo modelo de guia de depósito judicial (DJE) diferente (conforme seu Anexo I). É exatamente o caso do depósito judicial do valor de R$ 300,00 de nosso exemplo, em que as contribuições incidentes sobre o terço de férias não recolhidas pela empresa contribuinte não são fruto da autuação fiscal. O código de depósito correto para o valor da contribuição previdenciária patronal é, neste caso, o 0204 (Anexo V da IN/RFB 1.324/2013) e não o código 2300 (de que trata o ADE 24/2016, já citado). Observe que o código 2300 – citado no Manual – somente seria aplicável caso a contribuição previdenciária deixasse de ser recolhidas pela empresa sem a correspondente suspensão da exigibilidade e fosse, por essa razão, objeto de lançamento tributário por parte do fisco. De fato, é uma possibilidade, mas certamente não é a regra.
Nesse passo, fundamental destacar que as recentes alterações no texto da ADE/CODAC nº 24/2016 pelas ADE/CODAC nºs 4/2019 e 8/2019 em nada mudaram o cenário mencionado, pois a RFB resiste em alterar as Instruções Normativas que disciplinam a matéria. O ADE/CODAC nº 8/2019, publicado em 24/04, ao incluir o § 1ª-A e dispor expressamente que seus códigos se aplicam ao débitos declarados em DCTFWeb viola frontalmente a IN/RFB nº 1.324/2013 e, portanto, determinação do Secretário da Receita Federal, causando grande insegurança jurídica ao contribuinte que observa a legislação corretamente.
É importante destacar que nada obsta que a RFB, por meio de sua autoridade máxima – o Secretário – revogue a IN/RFB 1.324/2013, alterando, por consequência, a redação da IN/SRF 421/2004 para que se torne aplicável a todas as situações de depósitos judiciais. Diríamos, inclusive, que seria recomendável. Mas enquanto ambos os atos normativos continuarem em vigor a RFB tem a obrigação legal de observá-los, o que significa alterar urgentemente o sistema DCTFWeb para que também aceite todos os códigos de depósito que trata o Anexo V da IN/RFB 1.324/2013. Não se desconhece o fato de que os manuais e manifestações de órgãos administrativos poderão ser admitidos como “normas complementares” das leis e decretos que tratam da matéria (no caso, a Lei nº 9.703/98 e o Decreto Federal nº 2.850/98), nos termos do Código Tributário Nacional, artigo 100, inciso II, como espécie de “decisão de órgão de jurisdição administrativa”. Entretanto, ainda que se admita esta possibilidade, o fato é que o Manual da DCTFnão pode revogar Instrução Normativa da lavra do Secretário da Receita Federal do Brasil, autoridade máxima do órgão de fiscalização federal. Instruções Normativas são atos administrativos expedidos por delegação do Ministério da Fazenda, com base na Portaria MF nº 259/2001 e apenas o Secretário da Receita Federal possui prerrogativa para tanto, tendo em vista o disposto no inciso III do artigo 209 do Regimento Interno da RFB. Por isso mesmo, a afirmação do Manual ao final de seu item 12.6.1 de que “a partir da obrigatoriedade de se utilizar o sistema DCTFWeb, não devem ser usados outros códigos de receita DJE” é ilegal e não possui qualquer validade jurídica.
Em conclusão, ou a RFB altera a DCTFWeb para que os códigos de depósitos judiciais previstos no Anexo V da IN/RFB 1.324/2013 sejam também aceitos para fins de vinculação de depósitos aos débitos previdenciários, ou o Secretário da Receita Federal do Brasil disciplina o novo regramento unificado de depósitos judiciais independentemente do débito a ser suspenso ser ou não oriundo de lançamento de ofício, alterando as instruções normativas em tela, pois Atos Declaratórios Executivos da CODAC não possuem competência legal para tanto.
Autor: Fabio Cunha Dower, advogado e consultor tributário. Especialista em Direito Tributário pelo IICS/CEU (SP) e autor da obra “O Novo Convênio ICMS 52/2017, Comentado, Cláusula por Cláusula”, Ed. Chiado Books. Professor e palestrante na área tributária-fiscal.
[1] Não obstante entendimento definitivo do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, em sede julgamento pelo rito dos recursos repetitivos do REsp nº 1.230.957/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Pleno, DJe 18.03.2014.
[2] “§ 4º Os depósitos judiciais e extrajudiciais referentes às contribuições sociais administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), destinadas à Previdência Social e às outras entidades ou fundos, inscritas ou não em Dívida Ativa da União (DAU), relativas às competências de janeiro de 2009 e posteriores, que forem objeto de lançamentos de ofício realizados a partir de 1º de agosto de 2011, deverão ser efetivados por meio do DJE de que trata o caput, observando-se o disposto nesta Instrução Normativa.” (grifamos)
Fonte: PORTAL CONTÁBEIS