Não é novidade que o país atravessa um momento econômico adverso, de proporções não vistas em passado recente. A situação das finanças dos Estados é especialmente calamitosa.
Dados mais atualizados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) são alarmantes e dão conta de que a arrecadação do ICMS no país encolheu pelo terceiro mês consecutivo, culminando em redução de 17,3% na comparação da arrecadação entre janeiro e fevereiro de 2016.
A expressiva queda de arrecadação tem feito com que alguns Estados tomem medidas drásticas, instituindo novas hipóteses ou aumentando sua tributação sem necessariamente observar requisitos elementares impostos pela Constituição Federal.
Já é possível ter a certeza de que o assunto estará na pauta das empresas detentoras de incentivos fiscais pelos próximos meses
A mais recente medida tomada, desta vez conjuntamente por todos os Estados no âmbito do Confaz, foi a celebração do Convênio ICMS nº 31 de 14 de abril de 2016 que, apesar de perseguir como principal efeito o equilíbrio das finanças públicas estaduais, esbarra em limites legais e constitucionais não necessariamente transponíveis.
Referido Convênio ICMS 31/2016 autoriza os Estados a condicionar a fruição de incentivos e benefícios fiscais, financeiro-fiscais, financeiros e dos regimes especiais de apuração que resultem em redução do valor do ICMS a ser pago (inclusive dos que ainda vierem a ser concedidos) a que as empresas beneficiárias depositem em fundos a serem instituídos pelos respectivos Estados o valor equivalente a, no mínimo, 10% do respectivo incentivo ou benefício. É importante que se diga, não há distinção entre incentivos concedidos com ou sem base em convênio.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou firmemente no sentido de que um convênio autorizativo apenas produz efeitos caso os Estados façam uso expresso de tal autorização. Assim, até que os Estados implementem a medida prevista no Convênio 31/2016, não há que se falar em produção de efeitos imediatos.
Isto posto, há de se enfrentar a possibilidade de tal convênio, ao instituir referido depósito e a exemplo de outras recentes alterações introduzidas na legislação do ICMS, haver extrapolado os limites de sua competência e ter autorizado uma medida que na prática desrespeita termos e contratos negociados anteriormente junto aos Estados.
Tal assertiva é difícil de ser negada nos casos de cobrança em relação a incentivos fiscais já concedidos por prazo determinado e mediante a realização de contrapartidas como geração de empregos, níveis mínimos de investimento em plantas produtivas e até mesmo contribuição de valores a outros fundos instituídos pelos Estados (estes sem lastro em Convênio Confaz).
Nesse caso, há flagrante desrespeito ao artigo 178 do Código Tributário Nacional. E é importante que se diga, não seria possível ao Estado alegar que o descumprimento contratual ocorreria contra ou independente da vontade do Ente concedente do incentivo, na medida em que para tanto o próprio Estado teve que celebrar o Convênio ICMS 31/2016 e instituir lei própria para cobrança.
Caberia ainda avaliar a natureza desse depósito. Na medida em que sua destinação está fixada no Convênio ICMS 31/2016, parece se revestir das características de uma contribuição, caso em que tanto o Confaz quanto os próprios Estados são incompetentes à sua instituição por ausência de autorização constitucional – artigos 145 e 149, parágrafo 1º da Constituição Federal.
Por fim, mas não menos importante, restaria uma ressalva quanto à impossibilidade de sua exigência imediata, para ter assegurado respeito ao princípio constitucional da anterioridade, já que pela redução do montante do incentivo ocorre majoração indireta da carga tributária.
Ou seja, por qualquer prisma que se olhe, não há como ficar inerte diante da pretendida cobrança.
O único aspecto que poderia parecer positivo é que, uma vez aprovada a exigência de depósito com a respectiva cobrança sobre o valor do incentivo, tendo por base convênio firmado à unanimidade no âmbito do Confaz, a partir de então já não seria tão razoável (apesar de reconhecidamente possível) concluir pela ilegitimidade daquele mesmo incentivo.
Nessa linha, seria possível até mesmo rever os processos originados de autos de infração relacionados ao tema.
A diferença em relação às tradicionais contribuições feitas pelas empresas a fundos estaduais em troca de incentivos, além do tamanho da mordida em si (pelo Convênio 31/2016, no mínimo, 10%, contra uma média de 1% a 3%), está justamente no fato de a presente cobrança ter sido autorizada por meio de convênio celebrado à unanimidade no âmbito do Confaz.
Interessante notar que uma das hipóteses de celebração de convênio no âmbito do Confaz é exatamente a prorrogação ou extensão de incentivos fiscais concedidos pelos Estados, nos termos do inciso V, do parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar 24/1975 – justamente a lei que regula a concessão de incentivos fiscais pelos Estados.
Não se poderia dizer que apenas o tácito reconhecimento da existência e legitimidade dos incentivos fiscais reclamaria autorização do pretendido depósito via convênio Confaz?
Assim, caso o Judiciário não reconheça que a cobrança é manifestamente ilegal ou inconstitucional, terá que ser reconhecido que os incentivos fiscais sobre os quais recaem os depósitos não são inconstitucionais, mas sim, tacitamente aprovados pelo Confaz.
Apesar de ainda ser bastante prematuro concluir, já é possível ter a certeza de que esse assunto estará na pauta permanente das empresas detentoras de incentivos fiscais pelos próximos meses.
Por Jerry Levers de Abreu e Orlando F. Dalcin.
Jerry Levers de Abreu e Orlando F. Dalcin são, respectivamente, sócio e advogado da área tributária de TozziniFreire Advogados
Fonte: Valor Econômico VIA APET