Meu objetivo por meio dessa publicação, é fazer uma reflexão junto com você sobre a ADC 49 e sua relação com as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
No âmbito jurídico, ADC é a sigla para “Ação Declaratória de Constitucionalidade”. Trata-se de um instrumento legal utilizado em alguns sistemas jurídicos, como o do Brasil, para verificar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo em relação à Constituição do país. Em outras palavras, a ADC é uma ação que visa obter do Poder Judiciário uma declaração de que determinada norma legal ou ato do Poder Público está em conformidade com a Constituição.
A ADC é geralmente utilizada quando existe uma controvérsia acerca da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, e seu propósito é fornecer uma interpretação uniforme da Constituição em todo o país. Ela pode ser ajuizada, por exemplo, por órgãos do Poder Público, como o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, o Defensor Público-Geral da União, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, entre outros.
A decisão proferida em uma ADC pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tem efeito vinculante, ou seja, deve ser seguida por todos os órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública em todos os níveis (federal, estadual e municipal) em casos semelhantes. Isso contribui para a uniformidade na interpretação da Constituição e na aplicação do direito no país.
Em relação a ADC 49 – do que se trata e o que está em discussão? Particularmente, até onde é do meu conhecimento, em 12 de abril desse ano (2023), havia sido encerrado o julgamento dos Embargos de Declaração opostos nos autos do ADC nº 49, em que no julgamento de mérito o STF definiu que não incide ICMS na transferência de mercadorias entre empresas do mesmo titular, agrando-se vencedor o voto do Ministro Relator Edson Fachin, que propôs a seguinte tese em termo de modulação:
“No cenário de busca de segurança jurídica na tributação e equilíbrio do federalismo fiscal, julgo procedentes os presentes embargos para modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, essalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.
Exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos.
Embargos conhecidos e parcialmente providos para a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº87/1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.”
Obs.: O julgamento desse mérito por parte do Ministro Relator se deu em 09.04.2021.
Histórico da ADC 49
No julgamento do mérito da ADC 49, foi decidido que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura operação de circulação de mercadorias e, portanto, não caracteriza o fato gerador do ICMS, afastando a incidência do imposto, até então cobrado normalmente nessas transferências.
Mas para os que vem acompanhando de perto o tema, se recordarão de que na referida ação, o governo do Rio Grande do Norte buscou obter a declaração de constitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar 87/96, que preveem a ocorrência de fato gerador do ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Ou seja, no julgamento, estava sob análise o pedido de modulação de efeitos, apresentado pelo Estado do Rio Grande do Norte, para que fosse dada eficácia futura à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da LC 87/1996, que previam a incidência do ICMS nesta hipótese específica.
O interessante nessa discussão toda, é que há diversos precedentes na Justiça afastando a incidência do ICMS na hipótese, contando inclusive com súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (Súmula 166). O que costumamos chamar de Ato de Mercancia.
O argumento por parte do Estado do Rio Grande do Norte em relação a ADC, é que a ADC, em seu enunciado não declara expressamente a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Kandir sobre o tema, o que gera circunstância de instabilidade jurídica, exigindo assim um pronunciamento por parte do STF.
Considerações finais
Tenho o costume de encerrar meus artigos e minhas reflexões, respondendo algumas dúvidas por parte do contribuinte, em um formato de Perguntas & Respostas, como segue abaixo a entrevista com a MRC Consultoria Empresarial e Tributária Especializada:
Hoje, em âmbito atual, há alguma previsão legal de isenção do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimento do mesmo contribuinte dentro da mesma unidade da federação e em operações interestaduais?
Para efeito da legislação do ICMS, será considerado transferência de mercadorias a operação de que decorra a saída de mercadoria ou bem de um estabelecimento com destino a outro pertencente ao mesmo titular, conforme dispõe o artigo 4º inciso V do RICMS/SP.
Concomitantemente, ocorre o fato gerador do ICMS, na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular, conforme disposto no artigo 2º, inciso I do RICMS/SP.
Cumpre registrar que, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, com eficácia a partir de 2024 e modulou os efeitos do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, realizado em 2021.
No entanto, o Estado de São Paulo até a presente data, não publicou ato legal que reconheça a aplicação da não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Diante do exposto, verifica-se que as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular são tributadas normalmente pelo ICMS, salvo se houver ato legal publicado pelo Estado que estabeleça dispensa do recolhimento do ICMS em relação a essas operações, seja operação interna ou interestadual. Sendo assim, há a incidência de ICMS nas transferências internas e interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Por outro lado, entendo que cabe recurso por parte do contribuinte e inclusive com boas chances de êxito. Veja, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula nº 166, sedimentou o entendimento de que não deve haver cobrança do ICMS, em operações de transferência de mercadorias, in verbis:
>> Súmula 166 – Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte.
Diante de tal prerrogativa, comenta-se inclusive posicionamento por parte do Fisco Estadual (dando-se por vencido, e muito tempo depois), a publicação da Súmula CONSEF nº 008.2019 – Conselho da Fazenda Estadual, que segue como parâmetro a indicação trazida na Corte Superior de Justiça.
>> Súmula CONSEF Nº 008.2019. Não cabe a exigência do ICMS nas operações internas de transferência de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular.
Assim sendo, interpreto uma revogação tácita, para todos os efeitos legais – no que se refira à transferência de mercadorias para estabelecimentos do mesmo titular, ainda que pertinente a saídas Interestaduais.
Noutro mais, como o STF na apreciação da Ação Direta de Constitucionalidade – ADC 49, se posicionou pela Inconstitucionalidade na cobrança do ICMS, decorrente da transferência interestadual de mercadorias, ou seja, envolvendo estabelecimentos do mesmo titular em operações envolvendo Estados distintos, acredito que com a referida declaração de inconstitucionalidade, os Fiscos Estaduais deveriam cessar a cobrança do ICMS, decorrente das referidas operações fiscais.
Destarte, por se tratar de tema de inconstitucionalidade, entende-se que, a declaração de inconstitucionalidade emitida pelo STF seria suficiente, dada força normativa da decisão pelo Excelso Tribunal. Neste sentido, não havendo necessidade dos Estados-membros ainda se manifestarem, a não ser quanto à revogação total de disposições em contrário, constantes em suas respectivas legislações estaduais.
E por último e não menos importante, a Constituição Federal é norma soberana de maior hierarquia em nosso Ordenamento Jurídico, a qual está acima de qualquer outra norma, todas de hierarquia infraconstitucional. Deste modo, inaplicável toda legislação que verse em contrário.
Logo, apenas a cogitar eventual insistência na cobrança do imposto estadual pelos Fiscos Estaduais, caberia ao contribuinte recorrer ao Poder Judiciário, buscando a efetividade de Tutela Jurisdicional.
Em relação a transferência interna ou interestadual de bens do ativo imobilizado entre estabelecimentos do mesmo titular, a operação está amparada pela não incidência do ICMS, nos termos do artigo 7º, inciso XIV do RICMS/SP.
No tocante a transferência interna ou interestadual de material de uso ou consumo entre estabelecimentos do mesmo titular, a operação está amparada pela não incidência do ICMS, nos termos do artigo 7º, inciso XV do RICMS/SP.
Atualmente existe alguma previsão legal em que mesmo que o ICMS seja isento não incidindo na transferência de mercadorias entre empresas do mesmo titular, o direito de apropriação dos créditos de ICMS? Esses créditos poderão ser transferidos?
Tendo em vista que a operação de transferência de mercadorias será tributada pelo ICMS, se o estabelecimento destinatário pertencente ao mesmo titular promover a saída subsequente das mercadorias recebidas em transferência, é legítima a apropriação do crédito do ICMS destacado na Nota Fiscal de transferência dessas mercadorias, em atendimento ao princípio da não cumulatividade previsto no artigo 59 do RICMS/SP e artigo 61 do RICMS/SP.
Conforme disposto no §11 do artigo 61 do RICMS/SP, na transferência de bem pertencente ao ativo imobilizado antes de ser concluída a apropriação de crédito prevista no §10 do referido artigo, fica assegurado ao estabelecimento destinatário o direito de creditar-se das parcelas remanescentes até consumar-se o aproveitamento integral do crédito relativo àquele bem, observado o procedimento a seguir:
1 – na Nota Fiscal relativa à transferência do bem deverão ser indicados no campo “Informações Complementares”, a expressão “Transferência de Crédito do Ativo Imobilizado – Artigo 61, § 11 do RICMS”, o valor total do crédito remanescente, a quantidade e o valor das parcelas, o número, a data da Nota Fiscal de aquisição do bem e o valor do crédito original;
2 – a Nota Fiscal prevista no item anterior deverá ser acompanhada de cópia reprográfica da Nota Fiscal relativa à aquisição do bem, a qual deverá ser conservada nos termos do artigo 202 do RICMS/SP.
Importante registrar que, a transferência de crédito do ICMS remanescente de bem do ativo imobilizado previsto no §11 do artigo 61 do RICMS, somente se aplica, quando os estabelecimentos remetente e destinatário estiverem localizados no Estado de São Paulo.
No que se refere a transferência de material de uso ou consumo do estabelecimento, a operação está amparada pela não incidência do ICMS, portanto não há o que se falar em crédito de ICMS.
Ademais, o inciso V do artigo 66 do RICMS/SP dispõe que é vedado o crédito relativo à mercadoria entrada ou adquirida para uso ou consumo do próprio estabelecimento.
FONTE: Contábeis