Quando as multas deixam de ser educativas e se tornam abusivas e desproporcionais?
Em um ambiente econômico desafiador, as empresas no Brasil são frequentemente confrontadas com multas isoladas por não cumprimento de obrigações acessórias ou por cometimento de erros no preenchimento de documentos e declarações, que vão além da própria carga tributária.
Essas multas, muitas vezes, sobrecarregam as empresas com penalidades que excedem significativamente o montante do imposto devido, desafiando princípios de justiça fiscal. Em diversos casos, a legislação prevê que as multas devem incidir sobre o valor da operação[1]. O questionamento central é: quando essas penalidades deixam de ser educativas e se tornam desproporcionais e abusivas?
Um caso notório é a multa aplicada pela falta de destaque do valor do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na nota fiscal, aplicada com base no art. 80 da Lei nº 4.502/64.
O dispositivo legal mencionado vem sendo utilizado pela Fiscalização Tributária em autos de infração, para justificar a cobrança de 75% do imposto não destacado, independentemente de ter sido apurado imposto a pagar. E, nos casos em que há obrigação principal, adiciona-se a multa de ofício, também de 75%, que incide sobre o imposto não pago.
Apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 1708819, onde foi reconhecida a impossibilidade de exigência concomitante da multa isolada e da multa de ofício – abrindo caminho para o contribuinte discutir a própria exigibilidade da multa ora em questão – devemos nos atentar para o fato de que o próprio valor da multa isolada, neste caso, é passível de questionamento.
No Supremo Tribunal Federal (STF), este dilema está sendo analisado através do Tema 487, que examina o caráter potencialmente confiscatório dessas multas. A decisão que advirá desse julgamento é aguardada ansiosamente pelo setor empresarial, pois poderá estabelecer um marco sobre os limites das multas no contexto tributário.
O debate sobre a proporcionalidade e a razoabilidade das multas tributárias é crucial. Em alguns casos, as multas aplicadas podem ser substancialmente superiores ao valor do tributo devido, desafiando não apenas os princípios da capacidade contributiva, mas também a vedação ao confisco, como estabelecido pela Constituição Federal.
Com o iminente julgamento do Tema 487, o cenário tributário brasileiro pode estar à beira de uma mudança significativa. A decisão do STF tem o potencial de redefinir os limites entre a legítima necessidade de arrecadação do Estado e a imposição de penalidades desproporcionais, que podem asfixiar a atividade econômica.
O tema em análise, embora não seja único, destaca uma problemática mais ampla no sistema tributário do país. A busca por um equilíbrio entre a eficiência na arrecadação e o respeito aos direitos dos contribuintes é um passo crucial para um sistema tributário mais justo, essencial para o crescimento sustentável da economia brasileira.
Finalmente, não deixemos de observar que, diante do grande impacto que a orientação dada pelo STF terá sobre as penalidades existentes na legislação federal, estadual e municipal, que tratam de obrigações acessórias, já foi proposto pelo Min. Dias Toffoli a modulação de efeitos da decisão.
Se for acatada a proposta feita pelo Ministro, a tese fixada terá efeitos ex nunc, a partir da data de publicação da ata do julgamento do mérito, ressalvadas as ações judiciais pendentes de conclusão até esta mesma data.
Autora: Liliane Quintas Vieira é advogada, pós-graduada em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e atua no escritório especialista em Direito Aduaneiro e Tributário Sales Vieira, de Itajaí (SC).
Fonte: Contábeis