O STF por ocasião do julgamento da ADI 2446 decidiu pela constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. O Supremo respondeu, portanto, se a norma viola ou não a Constituição da República Federativa do Brasil.
A primeira informação a ser considerada quanto ao mencionado julgamento é de que se trata de uma ADI – Ação Direta de Constitucionalidade. Isso significa que foi realizado o controle concentrado de constitucionalidade da mencionada norma jurídica pelo Supremo Tribunal Federal.
Por que isso é importante? Porque o voto vencedor, da Ministra Cármen Lúcia, complementado pelo voto-vista proferido pelo Ministro Dias Toffoli, forma o que a lei processual chama de precedente, ou seja, os entendimentos passam a ser uma referência para quaisquer julgamentos envolvendo o tema de planejamento tributário por parte do Poder Judiciário, conforme previsão do art. 927, inciso I do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, o Poder Judiciário estará vinculado ao precedente oriundo dos referidos votos em todos os processos vindouros envolvendo planejamento tributário.
Diz a norma analisada:
“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
[…]
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
É interessante notar que os votos, da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Dias Toffoli, se apresentam como textos que além de votarem pela constitucionalidade da norma, interpretam a sua correta utilização por parte dos Fiscos nas esferas Federal, Estaduais e Municipais, mediante o estabelecimento de certos requisitos/elementos que autorizam a aplicação do instituto pelo contribuinte (planejamento tributário).
Na sequência os tópicos são seguidos de trechos dos votos-precedentes.
Ministra Cármen Lúcia
1) O dispositivo carece de regulamentação. Logo, somente depois da edição da competente lei ordinária que o regulamente é que os Fiscos poderão de fato aplicar o núcleo do parágrafo único do art. 116 do CTN.
“Assim, o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional pende, ainda hoje, de regulamentação.”
2) É obrigatória a ocorrência prévia do fato gerador e devem os Fiscos demonstrar a intenção de dissimulação ou ocultação do fato gerador.
“Faz-se necessária, assim, a configuração de fato gerador que, por óbvio, além de estar devidamente previsto em lei, já tenha efetivamente se materializado, fazendo surgir a obrigação tributária.
Assim, a desconsideração autorizada pelo dispositivo está limitada aos atos ou negócios jurídicos praticados com intenção de dissimulação ou ocultação desse fato gerador.
[…]
Autoridade fiscal estará autorizada apenas a aplicar base de cálculo e alíquota a uma hipótese de incidência estabelecida em lei e que tenha se realizado.”
3) É legítimo evitar ou reduzir o pagamento de tributos por meio de operações lícitas.
“Não se comprova também, como pretende a autora, retirar incentivo ou estabelecer proibição ao planejamento tributário das pessoas físicas ou jurídicas. A norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.”
4) Trata-se da decisão mais recente em matéria de planejamento tributário, por meio da qual o STF sintetiza os conceitos de elisão fiscal e de evasão fiscal.
“De se anotar que elisão fiscal difere da evasão fiscal. Enquanto na primeira há diminuição lícita dos valores tributários devidos pois o contribuinte evita relação jurídica que faria nascer obrigação tributária, na segunda, o contribuinte atua de forma a ocultar fato gerador materializado para omitir-se ao pagamento da obrigação tributária devida.”
5) Como não poderia ser diferente, o voto corrige uma atecnia criada pela doutrina, no sentido de que não se trata de “norma antielisão”, mas sim de norma de combate à evasão fiscal.
“A despeito dos alegados motivos que resultaram na inclusão do parágrafo único ao art. 116 do CTN, a denominação “norma antielisão” é de ser tida como inapropriada, cuidando o dispositivo de questão de norma de combate à evasão fiscal.”
Ministro Dias Toffoli
6) O Poder Judiciário sempre poderá revisar os atos administrativos que aplicarem o parágrafo único do art. 116 do CTN.
“Em terceiro lugar, a decisão tomada pela autoridade fiscal com base na norma debatida pode ser controlada pelo Poder Judiciário, na hipótese de esse ser provocado. Em outras palavras, tal decisão administrativa não é imune ao controle judicial.”
7) Os Fiscos, ao desconsiderarem os negócios jurídicos que dissimularem ou ocultarem a ocorrência do fato gerador, somente atuam no plano da eficácia e não no plano da validade. O efeito disso, por exemplo, é de que os negócios jurídicos a partir de uma decisão administrativa da Receita Federal do Brasil que os desconsidere, não poderão sofrer imposições de desfazimento e não serão oponíveis a terceiros, sendo que somente ensejarão o recolhimento do tributo cujo fato gerador foi dissimulado ou ocultado.
“Em quarto lugar, julgo que a desconsideração a que se refere o dispositivo impugnado não se equipara à anulação de negócio jurídico simulado à qual alude os arts. 167 e 168 do Código Civil. Como se destacou nas informações prestadas pelo Presidente da República, aquele dispositivo do CTN permite apenas que a autoridade fiscal, no contexto da tributação, negue eficácia àqueles atos ou negócios jurídicos. Atente-se que a medida administrativa não atua no plano da validade. Corroborando o entendimento: MONTEIRO, Eduardo Cabral Moraes. O parágrafo único do art. 116 do CTN: norma geral antielisão? In : Doutrinas Essenciais de Direito Tributário | vol. 11 | p. 685 – 742 | Jul / 2014.”
O julgamento do STF pela constitucionalidade se apresenta como um grande marco para a realização de planejamentos tributários, pois ele cria um importante precedente de observância obrigatória por parte do Poder Judiciário nas lides envolvendo este tema.
Além disso, o precedente deixa relativamente claro que é ônus dos Fiscos demonstrar a intenção de dissimulação ou ocultação do fato gerador por parte do contribuinte, o que lhe dá um bom poder de organização documental para se defender, caso necessário.
Fonte: Contabeis