A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) equiparou todos os tipos de benefícios fiscais de ICMS obtidos pelas empresas à subvenção de investimento. Essa condição impede a União de cobrar Imposto de Renda e CSLL sobre os ganhos, ou seja, aqueles valores que deixaram de ser repassados aos cofres estaduais.
Esse posicionamento é inédito no STJ. Foi proferido por meio de recurso de embargos de declaração em sessão virtual no começo do mês.
Contribuintes e Receita Federal travam uma batalha sobre esse tema desde 2017. É que até essa data havia, de fato, uma separação: “subvenção para investimento”, quando a concessão do benefício exige contrapartida – ampliação ou construção de uma nova fábrica, por exemplo -, e “subvenção para custeio”, em que não há contrapartida.
A Lei nº 12.973, de 2014, previa, no artigo 30, que benefícios caracterizados como subvenção para investimento não poderiam ser tributados. A Receita Federal cobrava, então, de todos os demais – que, segundo advogados, são maioria.
Em 2017, no entanto, houve uma mudança legislativa. O Congresso aprovou a Lei Complementar nº 160, que alterou o artigo 30. Incluiu o parágrafo 4º: “Incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados subvenções para investimento”.
Os contribuintes entenderam que, com a mudança, deixou de existir diferença entre os benefícios de ICMS e, por esse motivo, nada mais pode ser tributado pela União. Já a Receita afirma que só não pode ser tributado o incentivo concedido como estímulo à ampliação do empreendimento econômico. Esse posicionamento foi formalizado na Solução de Consulta nº 145, de 2020.
A 2ª Turma do STJ está, agora, dando razão aos contribuintes. “Não fosse isso, a equiparação legal feita pelo artigo 30, parágrafo 4º, da Lei nº 12.973/2014 seria inócua”, enfatiza o relator, ministro Mauro Campbell Marques, na decisão. O entendimento foi unânime.
Apesar de favorável, essa decisão está sendo tratada por advogados de contribuintes como uma “meia vitória”. É importante por deixar claro que a interpretação da Receita Federal não está correta e impedir a tributação. Mas não atende plenamente a vontade das empresas.
Para os contribuintes, o ideal é que os ministros repliquem o entendimento já consolidado em relação aos créditos presumidos de ICMS – uma modalidade de incentivo fiscal – para todos os demais: redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade e diferimento, dentre outros.
A 1ª Seção do STJ, que uniformiza o entendimento das turmas de direito público (1ª e 2ª), decidiu contra a tributação em julgamento no ano de 2018. Afirmou que a interferência da União esvaziaria um incentivo concedido por Estados e essa situação violaria o pacto federativo.
A diferença de fundamentação tem um efeito econômico para as empresas. A Lei Complementar nº 160 impede a tributação, mas estabelece que os valores que deixaram de ser repassados aos cofres estaduais sejam “registrados em reserva de lucros”. Significa que só poderão ser utilizados para investimentos na própria empresa.
Quando se entende por violação ao pacto federativo não há qualquer limitação. Os valores podem ser utilizados da forma como a empresa bem entende, inclusive na distribuição de dividendos.
O caso em análise na 2ª Turma do STJ havia sido julgado em abril. Os ministros, naquela ocasião, descolaram as reduções e isenções de imposto da tese dos créditos presumidos e esse trecho não foi modificado no julgamento dos embargos.
O relator, Campbell Marques, entendeu que nesses outros casos não se poderia aplicar a lógica de proteção ao pacto federativo. “Se todas as vezes que isenção ou redução de base de ICMS for concedida pelo Estado, a União automaticamente for obrigada a reduzir o Imposto de Renda e a CSLL da empresa, a lógica se inverte”, afirmou em abril.
O ministro disse ainda que nas reduções e isenções de imposto o contribuinte está simplesmente deixando de ter uma saída de despesa. Tratou como sendo uma “grandeza negativa”, enquanto créditos presumidos, que, em tese, configuram receita, devem ser considerados “grandezas positivas”.
Essa explicação, aceita por unanimidade na turma, tem a ver com a forma de apuração do imposto. O ICMS tem regime não cumulativo. O que o contribuinte paga ao adquirir a mercadoria pode ser abatido na venda.
Quando há crédito presumido, a empresa consegue “turbinar” esses abatimentos. O Estado estabelece um percentual a ser utilizado como “crédito extra” e esse “ganho” aparece na contabilidade da empresa.
Já nos demais casos, quando o Estado concede isenção ou permite ao contribuinte reduzir a base de cálculo, por exemplo, o “ganho” não fica tão aparente. Há redução direta de imposto.
O caso em análise na 2ª Turma é de uma empresa do Paraná, que atua no setor de alimentos. Ela obteve o direito à isenção de ICMS nas vendas de produtos da cesta básica para consumidores finais (REsp 1968755).
A companhia entrou com uma ação preventiva. Foi atendida em primeira instância, mas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorreu e conseguiu reverter a decisão no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
Os desembargadores consideraram não haver violação ao pacto federativo e, sendo assim, não se poderia replicar a decisão dos créditos presumidos. Mas nada disseram sobre a Lei Complementar nº 160.
A empresa recorreu ao STJ. Na decisão proferida em abril, a 2ª Turma manteve o entendimento contra a violação ao pacto federativo. Também determinou que o caso fosse devolvido ao TRF-4 para que os desembargadores analisassem novamente a questão sob a perspectiva da lei complementar.
Foi por isso que tanto a PGFN como o contribuinte apresentaram o recurso de embargos de declaração. Ambos pediram para os ministros esclarecerem esse ponto. Daí a decisão que deixa claro o posicionamento da 2ª Turma sobre a equiparação de todos os benefícios de ICMS à subvenção de investimento.
“É a primeira posição do STJ que demonstra de forma muito clara aquilo que os contribuintes, desde o início, vinham invocando, de que a mudança pela Lei Complementar nº 160, se não fosse para fazer essa equiparação, nem deveria existir”, diz o advogado Ricardo Varrichio.
O especialista afirma, além disso, que apesar da decisão contrária à violação do pacto federativo, as discussões ainda não estão encerradas no STJ. Ele chama a atenção que, em março, a 1ª Turma se posicionou a favor do contribuinte.
Esse caso envolvia um programa de incentivo de Santa Catarina (Prodec) e havia contrapartida. A empresa acordou com o Estado um parcelamento de ICMS, com juros diferenciados, durante período de expansão de suas fábricas (REsp 1222547).
Os ministros da 1ª Turma consideraram que, ao permitir a tributação, a União acabaria interferindo e esvaziando o benefício concedido pelo Estado – situação que violaria o pacto federativo. Por existir decisões divergentes na 1ª e na 2ª Turmas, essa discussão poderá ser levada à 1ª Seção do STJ.
O advogado Rafael Nichele destaca que foram indicados dois recursos sobre o tema para julgamento em repetitivo (REsp 1945110 e REsp 1987158). “Não faz sentido crédito presumido e os demais benefícios de ICMS terem tratamentos diferentes. Todos representam renúncia de receita e não poderia a União tributar. É uma questão de não incidência do tributo, que se reconhece pela violação do pacto federativo.”
Por meio de nota, a PGFN afirma que a decisão da 2ª Turma e outras recentes, do ministro Benedito Gonçalves, da 1ª Turma, “são no sentido de que os outros benefícios fiscais de ICMS, diversos do crédito presumido, poderão ser classificados como subvenção de investimento desde que se observe todos os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014”. “E apenas nessa hipótese não serão computadas na determinação do lucro real”, frisa o órgão, chamando atenção para a diferença do entendimento firmado na 1ª Turma.
Fonte: Valor Econômico