Mesmo não deixando clara a possibilidade de reduzir valores de rescisões de contrato, MP 927 está sendo usada por empresários para não pagar até 50% dos encargos na hora da demissão
Alguns empresários estão usando a pandemia do novo coronavírus para demitir trabalhadores e trabalhadoras sem pagar corretamente todas as verbas rescisórias obrigatórias nos casos de demissão sem justa causa. O prejuízo pode chegar a 50%.
Apesar do distanciamento social, que mantem fechadas desde março várias varas da Justiça do Trabalho, 19.408 trabalhadores entraram com ação pedindo o pagamento de aviso prévio, férias vencidas e proporcionais, 13º salário e a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) . Só nos últimos 30 dias, 455 trabalhadores entraram na Justiça diariamente alegando que foram demitidos em função da crise do novo coronavírus e não receberam o conjunto ou parte das verbas rescisórias obrigatórias. Os dados são do monitoramento do Termômetro Covid-19 da Justiça na Trabalho, feito pela Datalawyer com o site Consultor Jurídico e a FintedLab.
Para não pagar as verbas rescisórias, os patrões usam como pretexto um suposto ‘dispositivo jurídico’ da Medida Provisória (MP) nº 927, editada pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), em março deste ano.
Acontece que o texto da MP, que alterou a legislação trabalhista durante a pandemia do novo coronavírus, equipara “calamidade pública” a “motivo de força maior”, mas não fala no não pagamento das verbas rescisórias. Mesmo assim, tem empresa alegando o tal “motivo de força maior”, ou seja, a pandemia, para não pagar as verbas rescisórias.
De acordo com a advogada Luciana Barretto, sócia da LBS Advogados, a MP cita o artigo 501 da Constituição de 1988, que fala sobre força maior e não fala sobre pagar metade da rescisão. O artigo seguinte, o 502, que trata desse ponto não foi incluído na MP 927”.
O texto do Art. 502º diz que se ocorrer “motivo de força maior” que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada ao trabalhador, quando demitido, uma indenização de metade do que seria a devida em caso de rescisão sem justa causa.
“Não é correto usar o artigo como base para pagar somente metade da rescisão de contrato”, diz a advogada, que complementa: A prática de usar a MP para não pagar os direitos dos trabalhadores foi uma “construção jurídica articulada pelos advogados das empresas”.
Proteção sindical
O advogado José Eymard Loguércio, também sócio da LBS Advogados, reforça que as empresas erram ao proceder dessa maneira e a previsão é de que aumentem as ações trabalhistas na Justiça. Ele diz ainda que como a MP ainda não foi convertida em lei, “é vital que o Congresso faça um ajuste no texto para isso não ocorra e trabalhadores não saiam prejudicados”.
Luciana Barretto concorda e lembra que “trabalhadores, que sempre saem prejudicados nesses acordos, infelizmente é que terão, ainda, de acionar a Justiça”.
Para José Eymard os trabalhadores e os sindicatos devem ficar atentos e pressionar os deputados “para que não façam uso desse momento para prejudicar ainda mais os direitos trabalhistas”.
Fato do Princípe
A disputa política pode ser outro fator que traz prejuízo aos trabalhadores. Eymard cita o chamado “Fato do Princípe”, que é um recurso que possibilita transferir para a administração pública o pagamento da indenização e que vem sendo utilizada por alguns empresários.
A expressão é usada no meio jurídico para tratar do Artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) , que versa sobre “ação do Estado que produz efeitos sobre as pessoas”. Isso significa que empresas podem utilizar a decisão do estado de fechar o comércio para justificar demissões e, assim, “transferir” as obrigações trabalhistas ao Estado.
José Eymard Loguércio alerta que, sobre a utilização desse recurso, a interpretação que se vem consolidando no meio jurídico é de que as empresas não podem usar o artigo 486.
Escrito por: Andre Accarini
Fonte: CUT Brasil via Portal Contábeis