Para a prefeitura de São Paulo, em casos de exames laboratoriais o Imposto Sobre Serviços (ISS) é devido na cidade onde é coletado o material biológico. A Secretaria de Fazenda reforçou o posicionamento ao publicar no Diário Oficial do município em 7 de novembro deste ano o parecer técnico nº 4/2018.
De acordo com o parecer, o ISS deve ser pago no local da coleta da amostra, independentemente de a análise clínica do material colhido ocorrer em outro município. O documento diz respeito a exames como de sangue, análises de patologia, eletricidade médica, radioterapia, quimioterapia, ultrassonografia, ressonância magnética, radiologia, tomografia e congêneres.
Por outro lado, laboratórios e hospitais defendem que o serviço é prestado na cidade onde os profissionais de saúde analisam o material biológico. Na visão dos contribuintes, o consumidor contrata a análise clínica, e a coleta da amostra se trata apenas de uma atividade-meio, incapaz de atrair a tributação.
“O simples fato de fazer a coleta em outro município não muda a prestação de serviço”, argumentou o advogado Thiago Garbelotti, sócio do escritório Braga & Moreno Advogados.
Guerra fiscal
A discussão sobre o local de cobrança do ISS em casos de exames laboratoriais tem como pano de fundo a guerra fiscal entre as cidades brasileiras, que disputam para receber uma fatia maior da arrecadação do imposto municipal.
A capital paulista abriga 12,2 milhões de habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os moradores da cidade mais populosa da América do Sul podem requerer os exames e ter as amostras colhidas em São Paulo, sem que a análise do material necessariamente seja feita na capital.
A alíquota do ISS no município de São Paulo é de 5%. O percentual pode ser menor em cidades do interior paulista, a exemplo de Barueri, onde a alíquota chegou a ser inferior a 1% antes de 2017. A carga tributária menor pode incentivar laboratórios a inaugurar em outras cidades centros de análises clínicas para processar amostras colhidas em municípios como São Paulo.
No intuito de amenizar a guerra fiscal a partir de 2017, a Lei Complementar nº 157/2016 impôs uma alíquota mínima de 2% para a cobrança do ISS. Ainda que menor, a diferença entre as alíquotas pode persistir e alongar a disputa judicial a respeito do local de cobrança. “Ainda tem diferença de imposto, não coloca fim à guerra fiscal dos municípios”, avaliou o advogado Thiago Garbelotti.
A advogada Carla Novo, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, acrescentou que geralmente os laboratórios concentram o trabalho de análise em uma unidade. Isso porque a infraestrutura do serviço envolve materiais caros e máquinas grandes, manuseados por profissionais qualificados, como biólogos e biomédicos.
ISS sobre exames: STJ e STF
A discussão judicial sobre o local de cobrança do ISS em casos de análises clínicas chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 1ª Seção da Corte, que reúne os ministros responsáveis por pacificar controvérsias de Direito Público, analisa a matéria em dois embargos de divergência.
No EREsp nº 1.439.753/PE, a relatora do caso, ministra Assusete Magalhães não conheceu os embargos de divergência que opõem o Laboratório de Análises Clínicas Gilson Cidrim e o município de Jaboatão dos Guararapes (PE). A magistrada ressaltou que as partes só podem recorrer à 1ª Seção quando há divergência entre as decisões proferidas pela 1ª e pela 2ª Turma ao analisarem situações parecidas. Neste caso, Magalhães entendeu que os processos comparados não eram suficientemente semelhantes. Entretanto, as partes apresentaram agravo, que ainda não foi julgado.
Já no EREsp nº 1.634.445/MG, o relator do processo, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, conheceu os embargos de divergência envolvendo o Instituto de Patologia José Carlos Corrêa e o município de Poços de Caldas (MG). O caso aguarda que o STJ se posicione no mérito da controvérsia sobre o local de cobrança do ISS nos casos de exames laboratoriais.
O advogado João Colussi, sócio do escritório Mattos Filho, destacou que a Constituição determina como base para a tributação do ISS o município onde ocorre a prestação de serviços. Segundo o tributarista, a definição enfatiza o local onde é realizado o esforço humano principal do serviço prestado.
Quem tem direito de tributar é o município onde o serviço está sendo prestado. E me parece que, de longe, o serviço de exame é prestado na análise clínica. Pode ter algum esforço na coleta, mas é apenas um meio
A advogada Carla Novo acrescentou que o exame para análise clínica é um exemplo de serviço complexo, com múltiplas etapas para aperfeiçoar a obrigação principal. “O local onde a atividade principal for desenvolvida constitui o fato gerador”, disse.
Por outro lado, quando a 1ª Turma do STJ analisou o REsp nº 1.439.753/PE antes de serem opostos embargos de divergência, o colegiado entendeu que o ISS é devido na cidade onde foi colhida a amostra. Para os ministros que compunham a turma em 2014, a relação jurídico-tributária se estabelece em relação ao primeiro município, porque a remessa do material biológico entre unidades do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do ISS.
De acordo com o advogado Thiago Garbelotti, provavelmente os laboratórios e hospitais serão cobrados a pagar o ISS em mais de um município. Para evitar autuações fiscais que resultem em multas, Garbelotti recomenda que os contribuintes ajuízem ações para que o Judiciário se posicione sobre o local correto para cobrança do ISS sobre os exames.
Domicílio do tomador ou do prestador
De forma geral, o ISS tem como fato gerador a prestação de serviços, realizada no domicílio do prestador. Entretanto, a lei complementar nº 157/2016 ampliou a lista de casos em que o ISS incide no local onde está o consumidor. Entre os exemplos de serviços que se enquadram na exceção estão o uso de cartões de crédito, planos de saúde e montagem de andaimes.
No Supremo Tribunal Federal (STF), em março o ministro Alexandre de Moraes concedeu uma liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.835para suspender dispositivos da lei complementar relativos ao local de incidência do imposto. O ministro avaliou que há dificuldade na aplicação da nova lei, que amplia dos conflitos de competência entre os municípios.
Na ADI, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais (Cnseg) questionam os pontos da lei que determinam casos em que o ISS será pago no município do tomador do serviço. A liminar vale até que o plenário do Supremo julgue a ADI.
O advogado João Colussi avalia que, no caso dos exames, o município de São Paulo tenta cobrar o ISS na mesma linha dos serviços incluídos na lei complementar nº 157/2016. Entretanto, a legislação não determinou a incidência no domicílio do consumidor no caso de exames e análises clínicas. “O serviço tem que estar citado na lei para aplicar a regra”, explicou a advogada Carla Novo.
Sequer as empresas que tinham previsão em lei complementar estão se submetendo a essa determinação. Imagine o laboratório, cuja atividade não foi excetuada pela lei complementar. Tem que adotar o padrão do estabelecimento do prestador
Fonte: Jota