Por Parvati Teles Gonzalez
Em 28 de dezembro do ano passado, foi publicada no Diário Oficial a Instrução Normativa nº 1.862. Após muitas publicações neste sentido, a referida IN apenas reforçou a tendência da Receita Federal em criar mais mecanismos para imputar responsabilidade a terceiros que não constam da relação tributária como contribuinte ou como substituto tributário.
Antigamente, a Receita Federal podia arrolar um responsável tributário durante o procedimento de fiscalização e lavratura do auto de infração.
Agora, contudo, será possível imputar a responsabilidade à terceiro em outras oportunidades, tais como na realização de procedimento de fiscalização, na hipótese de não homologação da Declaração de Compensação, após o lançamento do tributo e antes do julgamento de primeira instância administrativa. E até mesmo após o julgamento em última instância administrativa com a finalização do processo administrativo e definitiva constituição do crédito tributário.
Um dos pontos que mais chamam atenção é a possibilidade de imputação da responsabilidade a terceiro mesmo após o julgamento em segunda instância administrativa e antes da inscrição do débito em dívida ativa para fins de cobrança por meio de execução Fiscal.
Isto porque, nesta hipótese, o sócio imputado como responsável não terá mais oportunidade para apresentar defesa quanto ao crédito tributário cuja responsabilidade lhe é imputada, mas apenas quanto ao vínculo de responsabilidade. E isto certamente ocasionará o cerceamento do seu direito de defesa.
Começamos, pois, o ano de 2019 em processo de preparação para o próximo passo da receita: as responsabilizações tardias, que ousamos denominar de “unicórnio tributário”. Neste contexto, é importante pontuar que r. IN não instituiu carta branca à Receita Federal para responsabilizar sócios e diretores pela dívida tributária. Em seus primeiros artigos, o texto do ato infra legal traz, de forma expressa, que a imputação de responsabilidade tributária no âmbito da Receita Federal pressupõe a existência da regra matriz de responsabilidade tributária.
Isto significa que o condão do ato normativo publicado pela Receita Federal é de apenas instituir novos momentos para a imputação da responsabilidade pela obrigação tributária, mas esta responsabilidade continua adstrita aos termos da lei, não lhe sendo permitido, por exemplo, arrolar todos os diretores de uma sociedade empresária como responsáveis pelas dívidas tributárias daquela empresa.
Ou seja, é importante que se esclareça que a r. IN não tem o condão de criar novas hipóteses de responsabilidade tributária, o que somente poderia ocorrer por intermédio de uma lei. Portanto, a imputação da responsabilidade tributária a terceiros deverá obedecer aos dispositivos do Código Tributário Nacional, pelos quais somente poderão ser responsabilizados por dívida tributária os sócios com poderes de gestão da pessoa jurídica, sendo necessário que fique demonstrado, ao menos por meio de indícios, a possível prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, o que deverá ser devidamente apurado em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Deste modo, mesmo após a publicação da IN 1.862/2018, a Receita Federal não poderá indiscriminadamente arrolar nomes de todos os sócios e diretores da empresa fiscalizada, imputando-lhes responsabilidade tributária. Isto porque, como é amplamente sabido, não pode a Receita Federal dispor sobre regra geral em matéria tributária por meio de ato infra legal, tampouco lhe é permitido instituir regra geral em matéria tributária por meio de ato discricionário.
A eventual imputação de responsabilidade a terceiros que não tenha correlação com o fato gerador, ou, a sócios e diretores, que não possuam poderes de gestão, se revelará como medida desprovida de subsunção legal. Neste ponto, compete lembrar que o STJ já editou a Súmula nº 430, afirmando-se que “o mero inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sóciogerente.”
Por ora, cabe esperar que o Poder Executivo oriente seus atos pelo princípio da segurança jurídica, sob pena de se consentir que o Estado crie “anomalias jurídicas” em franca afronta aos princípios da legalidade e da limitação ao poder de tributar, assegurados constitucionalmente.
Parvati Teles Gonzalez é advogada do escritório Braga & Moreno