O IVA dual diminui defeitos de enquadramento porque cobra alíquota única dos produtos, mas será preciso uma lista bem definida de itens isentos e reduzidos para que emaranhado não se refaça.
Uma das promessas da reforma tributária é simplificar a cobrança de impostos de uma infinidade de produtos e serviços oferecidos ao brasileiro. Do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados nesta sexta-feira (7), a principal mudança é a junção de cinco impostos, com suas infinitas regras, em apenas dois.
Apesar de tornar o sistema mais simples e intuitivo, a primeira etapa não exclui o risco de uma “guerra” entre os produtores para o melhor enquadramento dos seus produtos.
Esse processo deve vir em seguida, por meio de uma lei complementar, que dará especificação às novas regras e definirá quais produtos entram em cada uma de quatro categorias:
- Produtos isentos;
- Produtos incentivados, tributados em 60% da alíquota geral;
- Produtos comuns, tributados pela alíquota geral;
- Produtos penalizados por imposto seletivo, ou “imposto do pecado”, tributados acima da alíquota geral.
É nesta divisão que surgirá uma nova romaria de produtores a Brasília para colocar seu produto na divisão mais vantajosa. Uma das brigas que deve exemplificar com perfeição os próximos meses é a do setor de vinhos.
Em uma porção de países produtores, a bebida é enquadrada em divisões especiais — até como alimento — e reconhecida por seus benefícios à saúde em caso de consumo moderado. Fosse esse o caso no Brasil, em vez de penalizado, o mercado de vinhos seria favorecido na divisão tributária.
Mas os produtores não têm a esperança de balizar o regime tributário de países como Portugal, que cobra 13% em vinhos enquanto tem IVA geral de 23%. O temor é que a bebida entre na ponta oposta da lista, no tal “imposto do pecado”, por conta do seu teor de álcool.
Segundo o texto da proposta de emenda à Constituição aprovado pelos deputados, o imposto seletivo penalizará produtos que fazem mal à saúde ou meio ambiente. Novamente: quem definirá essa lista é a lei complementar que virá a seguir.
“Nosso principal temor é que o vinho seja penalizado, e perca mais competitividade com os importados. Nem pretendemos entrar em categoria alimentar, mas na alíquota normal”, diz Daniel Panizzi, presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra).
“O aumento de imposto ia gerar aumento do descaminho [contrabando]. O vinho é uma bebida cultural, com estudos que comprovam benefícios à saúde”, afirma.
Menos distorções?
Ao menos um aspecto é certo: o novo IVA dual elimina a maior parte das distorções malucas do sistema tributário brasileiro que ganharam notoriedade nos últimos anos.
É o caso da “sobremesa láctea” das principais redes de fast food do país, chamadas assim para driblar os impostos do sorvete.
É um “gol de mão” para mudar a base de cálculo do tributo federal: o sorvete, propriamente dito, paga 9,25% de PIS e Cofins, enquanto a sobremesa láctea está isenta. Com um imposto unificado — seja bombom de chocolate ou “waffer”, perfume ou “água de colônia” — o tributo cobrado será o mesmo.
Mas uma parte relevante dos itens estará sujeito à interpretação ao fechar o texto da lei complementar. Assim como o vinho, que pode ser encarado como alimento ou bebida alcóolica, há outros exemplos duvidosos.
Enquadramento do sistema tributário permite distorções que a reforma promete encerrar — Foto: Arte g1
Os defensivos agrícolas podem, em tese, entrar em duas categorias: a de insumo agrícola ou a de itens que prejudiquem a saúde e meio ambiente.
Já refrigerantes e bebidas açucaradas também caem na ambiguidade de estarem no grupo alimentação e no de produtos prejudiciais à saúde. No exterior, inclusive, há países como México e Chile que já adotaram o “sugar tax” (ou imposto do açúcar) para penalizar itens ricos na substância, já que seu consumo traz malefícios.
“Uma das críticas à tramitação da reforma, inclusive, é a quantidade de matérias que ficaram pendentes de definição na lei complementar”, diz Maurício Barros, advogado tributarista e sócio do Demarest.
O especialista lembra que, no sistema tributário atual, cada um dos estados têm uma lista de reduções de alíquotas e bases de cálculo para o ICMS. Em geral, ela deveria ser definida por convenção do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), mas há muitos dribles e reduções regionais, de acordo com interesses econômicos ou culturais.
O que mudaria, agora, é que haverá uma só lista, o que impede a chamada “guerra fiscal” — incentivos dados entre um estado em relação a outro para atrair investimentos empresariais.
“A lei complementar vai precisar discriminar com clareza quais são os produtos incentivados, e não pode dar liberdade a estados e municípios tenham regulamentos diferentes entre si”, afirma Barros.
Para Fábio Lunardini, advogado tributarista do Peixoto & Cury Advogados, ainda é cedo para antecipar se — e quanto — o novo tributo vai impactar esses produtos da “zona cinzenta” da categorização.
“O vinho, por exemplo, sofre com restrições dadas a produtos alcoólicos em geral, como em anúncios publicitários. Mas paga IPI menor que outras bebidas, como whisky e vodka”, diz Lunardini.
O especialista afirma ainda que o jogo pode mudar dentro da tramitação do Senado Federal. “A força desses grupos pode fazer com que tentem obter esse tratamento na própria Constituição, mesmo que de forma genérica, sem fixar percentuais de alíquota”, afirma.
Fonte: G1