*Por Estevan Leal e Renato Fernandes
Com a vitória dos contribuintes na discussão acerca da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, definida pelo Supremo Tribunal Federal em março de 2017, as empresas voltaram seus esforços para o cálculo do crédito tributário que seria reavido em decorrência de anos de pagamento de PIS/Cofins sobre uma base inchada pelo ICMS.
O impacto nos cofres públicos teria magnitude colossal e era necessário mitigar, tanto quanto possível, os efeitos da decisão. De forma previsível, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) opôs embargos de declaração requerendo que a decisão produzisse efeitos apenas após o julgamento de tal recurso, buscando, ainda, esclarecimento de algumas questões que supostamente haviam ficado obscuras, dentre elas qual o valor do ICMS que deveria ser excluído da base de cálculo das contribuições: o imposto total incidente na operação, destacado na nota fiscal, ou o valor efetivamente recolhido em moeda aos cofres estaduais?
Muitos meses se passaram e, até o momento, o Supremo Tribunal Federal não julgou os referidos embargos, enquanto que os tribunais inferiores passaram a aplicar a decisão proferida em sede de repercussão geral, e os contribuintes começaram a habilitar seus créditos na Receita Federal à medida que suas ações foram transitando em julgado.
Sem os esclarecimentos às questões buscadas por meio dos embargos de declaração, a Receita publicou a Solução de Consulta Interna Cosit 13, de 2018, em que descreve as razões pelas quais entende que o ICMS a ser excluído é o efetivamente “pago”. Para construir seu raciocínio, as autoridades fiscais utilizaram trechos dos votos dos ministros do STF que, empregados fora de seu real contexto, acabaram por poluir o debate.
A reação dos tributaristas e do mercado diante dessa posição foi imediata e bastante negativa — os argumentos não convenceram. Inconformada, a Receita divulgou nota de esclarecimento para reiterar, em tom ainda mais dissimulado, as razões de seu posicionamento.
Quando se analisa o voto condutor da ministra Cármen Lúcia com o mínimo de atenção, percebe-se que o raciocínio que culminou com a definição da tese de que o ICMS não compõe a base de cálculo de PIS/Cofins é bastante lógico e sequencial, de tal modo que é possível extrair apenas uma conclusão possível: o ICMS a ser excluído é o total incidente na operação, ou seja, aquele destacado na nota fiscal.
A parte que nos importa inicia com a ministra citando Roque Antonio Carrazza e sua sustentação de que o ICMS não compõe a base das contribuições, pois, “enquanto o ICMS circula por suas contabilidades, eles apenas obtêm ingressos de caixa, que não lhes pertencem, isto é, não se incorporam a seus patrimônios” e “a parcela correspondente ao ICMS pago não tem, pois, natureza de faturamento (e nem mesmo de receita)…não podendo, em razão disso, compor a base de cálculo quer do PIS, quer da COFINS”. Atenção para a expressão “ICMS pago”, utilizada por Carrazza, uma vez que a veremos novamente adiante.
A lógica da decisão está clara. O ICMS não se integra ao patrimônio do contribuinte, representando mero repasse de imposto para os estados. Esse entendimento nuclear é importante para entendermos, mais adiante, o impacto do ICMS na contabilidade dos contribuintes.
Após a citação da lição acima, com bastante clareza, a ministra segue:
“Poder-se-ia aceitar que a análise jurídica e contábil do ICMS (…) revelariam que, assim como não é possível incluir o ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, também não seria possível excluí-lo totalmente (…).
Entretanto, a análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há que levar em consideração o conteúdo normativo do art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, ou seja, examina-se a não cumulatividade a cada operação (…)”.
Após a elaboração da ideia iniciada pela conjunção adversativa “entretanto” (expressando oposição ao disposto anteriormente), a ministra cita mais doutrina sobre a não cumulatividade do ICMS, inclusive outro trecho de Roque Antonio Carrazza em que dispõe que “o pagamento do ICMS é habitualmente feito parte em créditos (quando estes equivalem ou excedem os débitos nascidos no mesmo período de apuração) ou só em moeda (quando não há créditos de ICMS provenientes de operações ou prestações anteriores)”.
Curiosamente, o trecho acima foi omitido da SCI 13/2018. Não disse a Receita que o ICMS pago deveria ser excluído? Pois bem, conforme consta no voto condutor, o pagamento do ICMS ocorre tanto em créditos quanto em moeda. O ICMS pago é sempre o ICMS destacado.
O voto condutor prossegue descrevendo o mecanismo de apuração do ICMS, até que finalmente conclui que: “Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”.
Poder-se-ia afirmar que não é possível excluir todo o ICMS destacado na nota da base de cálculo do PIS e da Cofins, entretanto, não foi essa a decisão do STF.
Mais claro, impossível.
*Estevan Leal é advogado tributarista do Bichara Advogados.
*Renato Fernandes é advogado tributarista do Bichara Advogados.
Fonte: Conjur