Transtorno não está previsto na lei do Fundo de Garantia, mas tribunais têm decidido a favor da liberação; especialista explica como entrar com ação.
A Justiça está concedendo o direito de sacar o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para famílias que têm dependentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O transtorno não está entre as hipóteses previstas na lei que autorizam o trabalhador a usar o fundo, mas os tribunais entendem que é possível retirar o dinheiro para ajudar nas despesas para cobrir o acompanhamento profissional.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que atende São Paulo e Mato Grosso do Sul, confirmou uma sentença neste sentido. A decisão foi unânime e determinou que a Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, liberasse o saque para o pai de um menino autista.
Quando entrou com a ação, em 2019, o trabalhador tinha R$ 119 mil no FGTS, somando depósitos de quatro empregos desde 2011. Ele alegou que precisava do dinheiro para pagar um tratamento multidisciplinar para o filho, diagnosticado com TEA quando tinha dois anos.
Como de praxe nestes casos, o pedido de saque do FGTS foi negado pela Caixa. Tanto nos requerimentos administrativos quanto nos processos judiciais, o banco alega que não pode liberar a movimentação do saldo fora das hipóteses listadas na legislação federal.
Embora o dinheiro pertença ao trabalhador, a lei permite o acesso ao fundo em casos específicos. Além de demissão sem justa causa e compra da casa própria, há situações relacionadas à saúde do trabalhador ou do dependente. Entre elas estão os portadores de HIV, pessoas com câncer ou com doença grave em estágio terminal.
Na ação judicial que chegou ao TRF-3, o trabalhador trouxe laudos médicos que comprovam o diagnóstico de TEA e a necessidade de acompanhamento especializado para a criança.
Em primeira e segunda instâncias, a Justiça Federal entendeu que o trabalhador tinha o direito de sacar o FGTS, citando outros precedentes do próprio TRF-3 relacionados a casos de autismo. Cabe recurso.
A defensora pública federal Luísa Ayumi afirma que o ideal seria uma mudança na lei ou uma decisão judicial em ação coletiva que determinasse a autorização do uso do FGTS a todas as famílias com dependente autista.
Enquanto isso não acontece, a Caixa é obrigada a negar os pedidos, com base na interpretação literal da legislação.
“A Caixa consegue liberar administrativamente apenas nas hipóteses previstas na lei. Em outros casos, não previstos expressamente, a solução é entrar com ação judicial, para buscar uma interpretação de acordo com os fins sociais do programa”, diz Ayumi.
O entendimento do TRF-3 não está isolado. Todos os cinco tribunais regionais federais têm decisões autorizando o saque do FGTS para famílias com dependente autista.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável por uniformizar a jurisprudência federal, não tem julgamento específico sobre casos envolvendo FGTS para dependente autista, mas já decidiu que a lista de doenças trazida na lei é apenas exemplificativa — e, portanto, admite situações não descritas.
Como entrar com ação para pedir liberação do FGTS
Ações para pedir a liberação do saque do Fundo de Garantia são de competência da Justiça Federal.
A Defensora Pública da União (DPU) atende gratuitamente famílias com renda mensal de até R$ 2.000 ou que comprovem a incapacidade de pagar um advogado.
Se o valor total pedido na ação for de até 60 salários mínimos (R$ 72.720), é possível entrar com o pedido diretamente no Juizado Especial Federal, sem a necessidade de advogado. Acima desse valor, é preciso entrar em uma vara da Justiça Federal, sempre com advogado.
A especialista em relações trabalhistas e sindicais, Priscila Zangiácomo, diz que não é recomendado fazer o pedido judicial sem a orientação de advogado, devido a particularidade e complexidade do procedimento.
Documentos para entrar com a ação do FGTS:
Segundo a advogada, para entrar com ação judicial para saque do FGTS, é preciso os seguintes documento:
- Documento de identidade (RG ou CNH, incluindo CPF)
- Carteira de trabalho (pode ser a versão digital)
- Comprovante de residência atualizado (ideal que seja de, no máximo, três meses)
- Extrato do FGTS (que pode ser obtido no site da Caixa ou no aplicativo FGTS)
- Cópia dos exames médicos, laudos ou dados clínicos que tenham sido informados no formulário “Relatório Médico de Doenças Graves para Solicitação de Saque do FGTS”
- Caso o pedido tenha como fundamento a doença ou transtorno de um dependente, será necessário um comprovante da relação de dependência (como certidão de nascimento ou de adoção)
Fonte: Portal Contábeis com informações da Folha de S.Paulo