Por Zínia Baeta | De São Paulo
Mais modesto que a proposta do governo federal de quase dez anos atrás, um novo texto sobre arbitragem tributária tem sido discutido por professores e especialistas, em parceria com órgãos do governo federal e entidades de classe.
A ideia é elaborar um anteprojeto de lei mais simples do que o de 2009, mas capaz de resolver pequenas pendências que representam tempo e dinheiro para
empresas e governo.
Quando finalizada, a proposta será encaminhada ao Congresso Nacional, após a renovação parlamentar, provavelmente por alguma entidade ainda não definida. “O foco do anteprojeto são as questões práticas, mas de grande impacto para as empresas”, afirma a advogada Selma Lemes, professora da área arbitral que participa das discussões.
A proposta, de acordo com a advogada, prevê a criação da “arbitragem tributária especial”, com características próprias que a diferenciam da arbitragem convencional, utilizada normalmente em contratos empresariais.
Segundo a tributarista Priscila Faricelli, sócia de Trench Rossi Watanabe, que também participa dos debates, o instituto só se aplicaria a créditos tributários ainda não constituídos e a questões de fato. O que significa que
não seriam analisadas teses jurídicas, mas apenas temas técnicos.
“Tudo o que precisar passar por um perito poderia ir para a arbitragem tributária”, afirma. Seria o caso de discussões como a classificação fiscal de IPI de um determinado produto, a quantificação de créditos já reconhecidos
pela Justiça ou mesmo questões técnicas relacionadas ao preço de transferência.
A retomada desse debate partiu do professor titular da Universidade de São Paulo (USP), tributarista Heleno Torres, que também participou das discussões que se consolidaram no Projeto de Lei nº 5.082 em 2009.
Segundo o professor, a amplitude e novidade do tema naquele momento acabaram impedindo que a ideia fosse para frente.
“Em 2009 havia muitas dúvida, hoje o momento é outro
com uma proposta reformulada a partir do novo Código de Processo Civil, da Lei de Conciliação e do próprio incentivo do Judiciário aos meios alternativos, que não existia
antes”, avalia.
A proposta encaminhada naquela época ao Congresso pelo Executivo criava nove modalidades de negociação, dentre elas transação, conciliação administrativa e arbitragem para questões técnicas. A intenção era aumentar a eficiência do processo de cobrança, assim como reduzir o tempo desses
procedimentos.
Torres defende uma reforma do sistema atual de contencioso tributário e políticas para buscar a redução de litígio entre Fisco e contribuinte. “Se nada for feito para melhorar o panorama atual, as ações vão se eternizar e será cada vez mais difícil a recuperação de créditos.”
Conforme a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a União possui hoje em estoque e trâmite aproximadamente seis milhões de execuções
fiscais e uma dívida ativa de R$ 2,2 trilhões. Em 2009, segundo Torres, esse montante era de R$ 770 bilhões. O histórico de recuperação desses créditos no Judiciário é de aproximadamente 1%.
De acordo com o professor, a proposta da comunidade jurídica é buscar alternativas que ajudem a mudar esse
panorama, aplicadas de forma preventiva, antes da existência de créditos tributários constituídos. No caso
do anteprojeto são colocadas duas alternativas específicas: consulta fiscal e quantificação de crédito reconhecido judicialmente passível de compensação pelos contribuintes. Ambos procedimentos seriam realizados por câmaras
arbitrais.
A consulta fiscal, cuja regulamentação viria após aprovação de lei, funcionaria de forma semelhante ao que ocorre hoje com as soluções de consulta, segundo a tributarista Priscila Faricelli. O tribunal arbitral, que vincularia as partes, decidiria a questão levantada pelo contribuinte.
O procurador da Fazenda Nacional, Rogério Campos, afirma que a PGFN está aberta a mudanças desse tipo, classificadas como indispensáveis para o processo administrativo. De acordo com ele, a procuradoria tem
contribuído de forma espontânea com sugestões ao texto, que segundo ele é bem equilibrado.
Campos afirma que a Fazenda Nacional tem buscado novos modelos de cobrança que prestigiem medidas racionais, eficientes, que ofereçam retorno e ao mesmo tempo colaborem para reduzir a litigiosidade. “A arbitragem
tributária não será a solução para o Judiciário e morosidade da execução fiscal, mas pode ser empregada em discussões como enquadramento fiscal de
determinados produtos, por exemplo”, diz.
Na avaliação do diretor jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Helcio Honda, hoje um dos principais entraves no ambiente de negócios é a enorme dificuldade no contencioso administrativo e judicial envolvendo o Fisco. Segundo ele, outros países como Portugal já implementaram formas alternativas de solução de disputas, que colaboram para “melhorar e agilizar a cobrança de tributos”. Honda acrescenta que a Fiesp é adepta a discussões para a criação de modalidades mais modernas de cobrança e de “justiça fiscal”.
Fonte: Associação Paulista de Estudos Tributários via Valor Econômico