Entre contradições, acórdão publicado pelo STF sobre quebra automática da coisa julgada movimenta a comunidade jurídica.
Recentemente foi publicado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o aguardado acórdão sobre o Tema 885 – processo que decidiu sobre a polêmica questão da quebra automática da coisa julgada nas relações tributárias. Ao analisar esse acórdão, no entanto, é possível identificar diversas inconsistências e contradições, o que levou as partes envolvidas no processo a apresentarem recursos de embargos de declaração.
A principal controvérsia gira em torno dos efeitos retroativos determinados na tese aprovada pelo STF, visando recuperar valores não recolhidos pelas empresas no passado. Esse aspecto tem gerado perplexidade no meio jurídico, sendo considerado inadmissível por todos aqueles que dedicaram suas vidas ao estudo e à prática do direito tributário.
Com o objetivo de simplificar o assunto e tentar resumir as 468 páginas do acórdão, pode-se estabelecer uma analogia através de uma situação hipotética em que um professor enfrenta a desafiadora missão de explicar o Tema 885 do STF a um aluno que está prestes a concluir sua graduação em Direito.
O professor poderia iniciar com o seguinte questionamento: “Uma lei pode retroagir para cobrar valores pagos no passado quando um contribuinte obteve uma sentença transitada em julgado reconhecendo a inconstitucionalidade de um determinado tributo?” A resposta esperada seria um enfático “não”, pois é consenso que, no âmbito tributário, não há espaço para cobrança retroativa, tendo em vista o princípio da irretroatividade tributária. Além disso, o trânsito em julgado é uma das garantias dos contribuintes, que visa resguardar a segurança jurídica, fundamentos estudados durante todo o curso de Direito.
Entretanto, o professor se veria compelido a discordar dessa resposta diante do novo posicionamento do STF, explicando que o trânsito em julgado foi superado pela Corte Suprema. Tal mudança ocorreu sob o argumento de que as questões tributárias possuem peculiaridades que as distinguem de outras situações jurídicas, uma vez que nas relações tributárias prevalece o conceito de trato continuado, ou trato sucessivo. Segundo o STF, esse fato justifica a quebra da coisa julgada, que somadas a outras teorias, passa a autorizar também a cobrança retroativa.
Naturalmente, o aluno levantaria questionamentos acerca dessa teoria do trato continuado nas relações tributárias e sobre como esse assunto ganhou relevância ao influenciar a conclusão do tema 885 pelo STF. Constrangido, o professor explicaria que grande parte da fundamentação do acórdão foi baseada no parecer 492/11 da Procuradoria da Fazenda Nacional (parte no processo que estava em julgamento), que introduziu essa corrente de pensamento ao meio jurídico há mais de uma década.
Essa analogia traz uma mensagem clara e evidente que até mesmo um aluno prestes a se formar é capaz de compreender: os julgamentos tributários não devem retroagir para prejudicar o contribuinte. Além disso, essa história ressalta a existência de uma luta desafiadora por um sistema jurídico mais justo, no qual a coisa julgada seja verdadeiramente respeitada, permitindo que a segurança jurídica se torne uma realidade concreta em nosso país.
Autor: Nilton André Sales Vieira, sócio fundador do escritório especializado em direito tributário e aduaneiro, Sales Vieira, em Itajaí (SC). É especialista em Direito Tributário pela Univille e em Gestão Empresarial pela Fundação Dom Cabral.
Fonte:Contábeis