Empresas tentam ampliar julgamento sobre tributação de softwares no STF

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Ricardo Godoi: processo judicial tem que levar em consideração essas concepções mais modernas de transferência

Empresas de tecnologia decidiram bater nas portas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar convencê-los a analisar, no próximo dia 22, um conjunto de processos que questionam a incidência do ICMS sobre software. Por ora, há na pauta apenas uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema, proposta em 1999, quando a transferência eletrônica de software ainda era feita por meio de disquete.

Empresários e advogados entendem que a questão não pode ser analisada sem levar em consideração os atuais meios para a comercialização – download, streaming e nuvem. Para eles, sem um julgamento ampliado, manteria-se a insegurança jurídica, que impacta a competitividade no setor.

A ação de 1999 foi proposta pelo PMDB (ADI nº 1945) para contestar um dispositivo da Lei nº 7.098, de 1998, do Estado do Mato Grosso. No ano passado, porém, foram ajuizados pelo menos mais três processos. Dois deles, da Confederação Nacional de Serviços (CNS), questionam normas mais atuais sobre o assunto, como o Decreto nº 61.791, de 2016, do Estado de São Paulo (ADI 5576).

Além de abranger o software personalizado ou não, a norma paulista considera a transferência eletrônica de dados por download ou streaming. Hoje, São Paulo cobra 5% de ICMS sobre o download, embora a Lei Complementar nº 116, de 2004, estabeleça que os municípios podem cobrar ISS sobre a licença por uso.

Também tramita no STF uma ação da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) para questionar o Convênio nº 106, de 2017, do Conselho Nacional da Fazenda Nacional (Confaz). A norma autorizou os Estados a cobrar ICMS nas operações com bens e mercadorias digitais, comercializadas por transferência eletrônica (ADI nº 5958).

As empresas esperam que o STF defina, de uma vez por todas, que a circulação de software, por qualquer tipo de transferência de dados digitais, não pode ser tributada pelo imposto estadual (com alíquotas de até 18%). Apenas pelo ISS (até 5%). Para ampliar o julgamento, advogados e diretores de entidades devem visitar, até a próxima semana, os gabinetes de ao menos seis ministros – incluindo os relatores das ações, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso.

O advogado Ricardo Godoi, do escritório Godoi & Zambo Advogados Associados, que representa a CNS, lembra que conceitos como “software de prateleira” não existem mais. “Hoje em dia se disponibiliza software por download e o processo judicial tem que levar em consideração essas concepções mais modernas”, afirma. “De nada adianta termos decisões favoráveis em primeira e segunda instâncias da Justiça, se o STF fixar uma jurisprudência desatualizada.”

Em São Paulo, a Justiça está dividida. A Federação de Serviços do Estado de São Paulo (Fesesp), por exemplo, obteve liminar, que depois foi derrubada (processo nº 3001176-36.2018.8.26.0000). Já o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (Seprosp) e a Brasscom possuem decisões vigentes. O primeiro conta com acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que suspende o ICMS (2065 250-19.2018.8.26.0000). Já a associação mantém liminar favorável de primeira instância (processo nº 2086668-13.2018.8.26.0000).

Segundo Sergio Sgobbi, diretor da Brasscom, a entidade já conseguiu suspender o pagamento do ICMS em sete ou oito Estados “porque já era uma condição estabilizada se pagar o ISS na localidade”. De acordo com levantamento da associação, o aumento da carga tributária decorrente da bitributação do setor pode variar de 67% a 500%. Isso porque, segundo o estudo, a arrecadação adicional dessa bitributação pode variar entre R$ 1,3 bilhão (adoção da alíquota de 5% pelos Estados) e R$ 4,5 bilhões (alíquota de 18%).

Esse levantamento foi encaminhado para o Ministério da Ciência e Tecnologia, para que o governo também peça ao Supremo o julgamento conjunto das ações diretas de inconstitucionalidade, segundo Sgobbi. “A ação na pauta do STF do dia 22 é muito antiga. Mesmo que a decisão seja positiva para as empresas, não vai contemplar o cenário atual e o setor continuará a não saber o que e quanto pagar.”

Como dados do IDC Brasil mostram que as empresas do setor no Estado de São Paulo, em 2015, totalizaram R$ 12,85 bilhões de faturamento, a Brasscom afirma, em seu estudo, ser possível projetar arrecadação de ICMS de R$ 640 milhões, aplicando-se a alíquota de 5%. Para o ISS, com uma alíquota média de 2,9%, calcula-se uma arrecadação da ordem de R$ 370 milhões.

Hoje, o Brasil está na lista dos que mais investem em softwares. Para 2018, a expectativa da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) é de uma elevação de 4,1% dos desembolsos no país – considerando-se os negócios a serem fechados no segundo semestre. “Se a decisão do STF em uma ação judicial for diferente das demais, o ambiente de insegurança jurídica permanecerá, o que poderá impactar esses investimentos”, afirma o diretor jurídico da Abes, Manoel Antonio dos Santos.

Por enquanto, Santos orienta as empresas associadas a não prestar obrigações acessórias aos Estados, nem recolher o ICMS. “Podemos ter custos com eventuais defesas administrativas ou judiciais. Mas mesmo nesse caso orientamos a não provisionar”, diz. O diretor jurídico argumenta que o ICMS só incide na transferência de titularidade. “Ou a compra de um plano de saúde por meio de plataforma eletrônica também o tornaria uma mercadoria sujeita ao ICMS”, acrescenta Santos.

De acordo com a advogada Patrícia Vargas Fabris, do Mazzucco e Mello Advogados, tudo será definido pelo Supremo. De qualquer forma, recomenda às empresas recorrer à Justiça para afastar a incidência do ICMS e a recuperar o que foi eventualmente pago nos últimos cinco anos. “De acordo com jurisprudência do próprio STF, decreto não pode trazer nova cobrança tributária sem o respaldo de uma lei complementar. Além disso, software não é um bem tangível para incidir ICMS”, diz.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo disse, por nota, que “não quer comentar estratégia processual fora dos autos”.

Por Laura Ignacio | De São Paulo

Fonte: Valor

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