Tribunal de Canoas (RS) contraria jurisprudência do STJ e da Receita Federal ao permitir que a matriz de uma empresa possa usar seus créditos tributários para pagar dívidas de controladas
São Paulo – A 2ª Vara Federal de Canoas (RS) entendeu que uma empresa pode usar créditos tributários para compensar os débitos auferidos por suas filiais. Segundo especialistas, a decisão contraria a jurisprudência desenvolvida no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O tributarista e sócio do Romagnani Advogados Associados, Guilherme Romagnani, afirma que esse juízo é importante por estabelecer um precedente favorável aos contribuintes. “O STJ tem um entendimento mais favorável ao fisco. É uma decisão inédita para os contribuintes. Normalmente os tribunais julgam no sentido contrário”, comenta o especialista.
Já a advogada tributarista da Saito Associados, Sheila Vega, ressalta que o precedente pode ser usado como via de mão dupla, uma vez que muitas empresas sofrem com a impossibilidade de usar créditos tributários de suas filiais. “Antes dessa decisão, a companhia com crédito em uma filial que nem está mais em funcionamento não poderia utilizá-lo. A possibilidade aberta por esse julgamento é que o crédito não simplesmente desaparece nesses casos”, ressalta.
O caso chegou ao Judiciário após uma empresa sul-riograndense mover um processo contra a União para desfazer ato administrativo que havia impedido a compensação. A matriz da firma recolheu o Programa de Integração Social (PIS) de 1988 a 1995 com base nos Decretos nº 2.445/88 e 2.449/88, declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por conta desses valores pagos a mais, a empresa ficou com um estoque elevado de créditos tributários, que queria usar para compensar os débitos incorridos por suas controladas. O fisco, no entanto, não permitiu, sob a justificativa de que só o crédito das filiais poderia ser usado.
Centralização
Romagnani lembra que a Instrução Normativa 82/1997, da Receita Federal, declarou que a compensação de um débito tributário só pode ser realizada no próprio estabelecimento que auferiu o crédito.
Para o advogado que obteve a decisão favorável à empresa, o especialista da área tributária do escritório Piazzeta, Boeira e Rasador Advogados, Sandro Crivelaro, o fisco entende que a arrecadação deve ser sempre realizada por estabelecimento, seguindo o fato gerador do imposto. “Por essa regra, o crédito originado por um CNPJ não poderia ser utilizado para pagar o imposto gerado por outro CNPJ. É como se o crédito da matriz fosse de um terceiro”, explica.
Um dos argumentos utilizados para rebater essa tese da Receita foi de que a Lei 9.779/1999 centralizou o recolhimento do PIS na matriz, sendo uma peça de legislação com mais força jurídica do que uma instrução normativa. O relator do processo na 2ª Vara de Canoas, juiz federal Felipe Veit Leal, acatou essa argumentação, entendendo que a Fazenda Nacional se baseou em instruções normativas desprovidas de fundamento legal para proibir a utilização dos créditos pela matriz.
Crivelaro acredita que se a Justiça aceitasse a tese do fisco incorreria em contradição, já que existem diversas execuções fiscais que cobram de filiais o débito de uma empresa matriz. “Na hora de cobrar vale a regra de que todas as empresas fazem parte do mesmo grupo, então quando é para beneficiar o contribuinte tem que haver o mesmo entendimento”, defende o advogado.
De acordo com o especialista, a Receita só insiste na tributação por estabelecimento para facilitar a fiscalização, que é feita dessa forma. “Na verdade, a imposição de CNPJs distintos para estabelecimentos filiais não consiste na divisão de pessoas jurídicas, mas sim visa à facilitação da atividade fiscalizatória”, apontou o juiz no acórdão da decisão.
Ricardo Bomfim
FONTE: DCI